a dignidade da diferença
28 de Novembro de 2010

 

 

Finalmente encontra-se disponível em DVD (edição nacional) a obra-prima inclassificável de Luís Buñuel O Anjo Exterminador (1962), que o genial espanhol realizou a seguir a Viridiana (outra obra-prima). Raras vezes, como neste filme, um cineasta fez uma tão magnífica recapitulação de toda a sua obra, um tão prodigioso desfile de situações, relações e personagens por si anteriormente criados. Buñuel consegue, recorrendo à figura da repetição, fornecer um catálogo imenso de pistas para a compreensão do filme e do insólito que se vai apoderando da história. O Anjo Exterminador é uma devastadora crítica a um certo tipo de burguesia aí retratada, uma seminal paródia que se desdobra em diálogos aparentemente ridículos, no excesso, nos limites da normalidade, na alucinação, na inanidade, no horror ou na magia. Os personagens amam-se, ferem-se, culpam-se, aprisionam-se e morrem, levando-nos a questionar sobre a verdadeira natureza da nossa condição humana e as motivações para o chamamento de Deus quando nos confrontamos com o irracional. Uma obra admirável, prodigiosamente livre, expressiva e surrealista, um dos marcos fundamentais da cultura do século XX.

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 15:07 link do post
15 de Abril de 2009

 

E eis que chegou, finalmente, uma boa notícia para todos aqueles que amam o cinema do genial realizador espanhol, com a distribuição e edição nacional – numa caixa exclusiva da Fnac - de quatro dos seus filmes mais famosos: Los Olvidados, Susana Demonio Y Carne, Abismos de Pásion e Viridiana.

Luis Buñuel nasceu em Calanda, na província de Teruel no dia 22 de Fevereiro de 1900. Alguns dados marcantes para o crescimento da sua personalidade foram, inegavelmente, a sua associação com Lorca e Salvador Dali ao movimento ultraista, o facto de ter perdido a fé católica (aos 15 anos) quando terminou o liceu e a visão do filme Der Müde Tod do cineasta alemão Fritz Lang, obra que o impressionou profundamente e lhe fez crescer a vontade de se tornar realizador de cinema.

Igualmente importantes no seu trajecto foram a sua participação no teatro – onde se iniciou numa peça de Garcia Lorca – e a adesão, em 1928, ao movimento surrealista.

A sua entrada no mundo do cinema chegou  no ano seguinte quando concluiu, com dinheiro emprestado e baseando-se num argumento de Dali, o célebre Un Chien Andalou, considerado por muitos como o primeiro filme verdadeiramente surrealista. Com L’Âge d’Or, que estreia em 1930, consegue o seu primeiro escândalo  e outro feito notável: o de ter criado um filme que foi vítima de uma das mais prolongadas e lendárias censuras da história do cinema; entre 1930 e 1981 o filme só teve direito a exibições privadas. Estava lançado o mito e reforçada a sua reputação.

Após breves passagens pela América e por França (onde se casou), Buñuel viveu entre 1935 e 1946 um dos períodos mais obscuros e, obviamente, desconhecidos da sua longa carreira. Esse apagamento só chegou ao fim com a realização de Gran Casino (um filme musical e, simultaneamente, de aventuras), iniciando, deste modo, o seu período mexicano.

 

Se os primeiros filmes passaram, fora do México, algo despercebidos, Los Olvidados marcou (e de que maneira!) o renascimento do genial cineasta perante a crítica europeia. Estávamos no ano de 1950. Los Olvidados é um trágico e desesperado retrato da juventude mexicana dominada pela miséria, pela morte e pelo sexo. No filme habitam prodigiosas e terríveis personagens que se alimentam do eterno conflito entre a consciência humana e o fatalismo a que não conseguem escapar. Quase todos são encaminhados para a delinquência depois de expulsos do seio materno onde procuram, de forma desamparada, regressar. Desta obra soberba fica na memória, para sempre, o voto cruel do velho cego quando deseja que fossem mortos todos aqueles miúdos antes da nascença porque, para eles, não existe tempo nem espaço.  

São também do seu período mexicano outros dois dos filmes agora editados em DVD: Susana Demonio Y Carne e Abismos de Pásion.

 

 

Susana é um dos mais subversivos e incendiários manifestos cinematográficos de Buñuel. Dele guardamos a inesquecível metamorfose que uma personagem explosiva e profundamente erótica provoca no ambiente familiar que se vive numa quinta. Entre a fuga e o posterior regresso ao reformatório, a perversa Susana destrói o paraíso inicial e transforma-o num inferno diabólico. E depois ainda temos, como mais-valia suprema, a fantástica objectiva que persegue cada personagem num movimento constante, saltando de cena em cena, plano após plano, numa visão alucinante de perdição, vertigem, medo e emoção.

 

Abismos de Pásion perde, naturalmente, na comparação com Susana mas não deixa, ainda assim, de ser uma excelente e muito livre adaptação do genial Wuthering Heights (O Monte dos Vendavais), célebre romance de Emily Brontë (1818-1848).

O último dos filmes agora lançados, Viridiana, foi dirigido por Buñuel entre 1960 e 1961, quando regressou a Espanha após uma ausência de 23 anos. Viridiana é uma obra-prima tão evidente quanto escandalosa, o que não impediu a conquista da Palma de Ouro no festival de Cannes; o seu escândalo só é comparável ao de L’Âge d’Or.

Viridiana é mais uma esplêndida variação sobre as virgens perversas e muito beatas, numa fabulosa articulação entre castidade, desejo, sonho, mendicidade e loucura. Trata-se de uma obra admirável  e visualmente poderosa.

 

E para terminar esta prosa em jeito de muito resumida biografia, faço apenas uma breve referência ao período final do cineasta. Buñuel associou-se, em 1964, ao argumentista Jean-Claude Carrière e ao produtor Serge Silberman para esculpir os seus últimos oito filmes. Deste lote merecem destaque especial os fascinantes e complexos Belle de Jour e Tristana e o seu testamento final, o prodigioso Cet Obscur Object Du Désir (1977) que é, talvez, o apogeu da sua arte e um dos filmes mais assombrosos de toda a história do cinema. Para Buñuel, o sexo não seria mais do que mera diversão porque essencial era o desejo. Viria a morrer no dia 26 de Julho de 1983.

 

Los Olvidados

 

Viridiana

 

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