Uma das passagens mais admiráveis do livro Being Mortal ocorre quando o seu autor, o cirurgião, escritor e investigador Atul Gawande, incide sobre a decisão de uma paciente quanto à sujeição ou não a uma cirurgia, após a avaliação dos seus riscos. Atul Gawande explica que «o cérebro dá-nos duas maneiras de avaliar experiências como o sofrimento – há a maneira como apreendemos essas experiências no momento e como as encaramos mais tarde – e essas duas maneiras são profundamente contraditórias». Aproveitando uma série de experiências descritas pelo investigador Daniel Kahneman – que poderão ser lidas na sua obra fundamental, Thinking, Fast and Slow – o cirurgião lança alguma luz sobre o assunto. No seguimento dessas experiências sobreveio um fenómeno que Daniel Kahneman designou como «a regra do pico-fim». Como o próprio esclareceu, esta regra consiste na média da dor sentida em dois momentos significativos: o momento derradeiro e o momento mais doloroso sentido durante a referida operação. Desta resultou a atribuição de dois eus distintos às pessoas: um eu que vive as coisas e um eu que as recorda. A regra do pico-fim, bem como a tendência para as pessoas ignorarem a duração do sofrimento, foi, segundo Daniel Kahneman, confirmada por estudos realizados nos mais variados contextos. «Se o eu que vive e o eu que recorda podem ter opiniões diferentes sobre a mesma experiência, a qual dos dois devemos dar ouvidos?» – interroga-se Atul Gawande. Regressando à decisão que a sua paciente deve tomar, deverá esta observar o eu que recorda e antecipa, convergindo nas coisas piores que poderá sofrer, ou o eu que vive e que terá um nível médio de sofrimento mais baixo no futuro imediato? Com efeito, ao contrário do eu que vive, absorvido no instante, o eu que recorda tenta compreender como se desenvolve a história como um todo. E numa história, sublinhe-se, o final é importante…