a dignidade da diferença
01 de Dezembro de 2013

 

 

Cruzamento dos polos musicais oriundos dos Plexus e da Filarmónica Fraude (cuja obra também merecia uma reedição urgente), a Banda do Casaco, quando nasce, reúne no seu seio as ideias e o espírito desalinhados dos seus fundadores essenciais, Nuno Rodrigues (compositor) e António Pinho (autor dos textos), sujeitando-se a sucessivas alterações dos seus membros - por lá passou alguma da nata de músicos portugueses. Politicamente agnóstica – na feliz expressão do crítico João Lisboa -, embora participante e opinativa, a Banda do Casaco, numa época politicamente tão marcada – os anos setenta e a primeira metade dos anos oitenta do século passado –, fez naturalmente um percurso estético permanentemente contra a corrente do pensamento então dominante. Simultaneamente provocador, satírico, tradicional e experimentalista, o grupo de Nuno Rodrigues e António Pinho criou um portentoso cocktail sonoro de música medieval, música tradicional portuguesa, andamentos jazzísticos, pop-folk de câmara, convulsões rítmico-melódicas e deliciosos devaneios poéticos.

 

 

Intercalando no seu peculiar laboratório de experimentação pequenas sugestões musicais labirínticas e flutuantes e uma sedutora visão anarco-surrealista, a sua obra foi evoluindo da tradição inicial (cujo pendor medieval já estava, felizmente, contaminado por elementos estranhos ao mesmo), até atingir a pura abstração sonora – com o precioso auxílio da voz imaterial de Né Ladeiras - de Também Eu (1982), atravessando o rigor cénico e a agilidade instrumental no desenvolvimento dos sobressaltos estéticos de Coisas do Arco da Velha (1976), Hoje Há Conquilhas Amanhã Não Sabemos (1976), Contos da Barbearia (1978) e o salto arquitetónico de uma música que abdica sempre da sua zona de conforto de  No Jardim da Celeste (1980). Se, até à data, era praticamente impossível aos seus admiradores reunir a obra integral da Banda do Casaco (Contos da Barbearia, por exemplo, nunca esteve disponível em CD), de Dos Benefícios dum Vendido no Reino dos Bonifácios (1975) ao algo incompreendido artificialismo sonoro de Com Ti Chitas (1984), eis que ela surge agora em duas magníficas caixas (vermelha e negra), com o som remasterizado por José Fortes, as quais ainda oferecem como bónus um conjunto de gravações inéditas, as origens prévias à identidade da Banda do Casaco e um DVD com excertos de concertos ao vivo. Obviamente, reedição do ano.

 

19 de Outubro de 2013

 

 

Dos lugares que os homens criaram para se abrigar, o café é o que mais rua tem. Por isso, Mário Cesariny gostava tanto de cafés. Aí, sentia-se onde a poesia estava, onde «sempre esteve». Aí, lembrando Lautréamont, podia fazê-la em comum. Foi em cafés que escreveu os poemas. Foi em cafés que conversou com os amigos e até com os inimigos. Foi em cafés que fitou os corpos com um olhar que os tornava mais visíveis. Era nos cafés, e no que eles tinham de rua, que se sentia verdadeiramente em casa. Cafés cheios de fumo e de fadiga e de fuga e de fúria. Cafés onde se estava porque não havia sítio melhor para estar. Cafés que resumiam o seu entendimento da vida: café-manicómio, café-convés, café-asilo, café-escritório, café quase salão e, pois claro!,  café-de-engate. Viciado em cafés, nunca o vi aí tomar um café. Pedia uma água mineral e, muitas vezes, usava-a para lavar as mãos, porque desconfiava que, depois de bebida, a garrafa era enchida pelo dono da casa. Ria e, enquanto a vertia nos dedos em ablução ritual, olhava à volta para a «malandragem» que habitava as mesas e exclamava: «A água é a única coisa que não é de confiança neste café». Nos tempos gloriosos do grupo surrealista, era nos cafés (Herminius, Royal, Gelo) que se incendiavam a eles próprios e era a partir dos cafés que queriam incendiar o mundo. Depois, toda a sua vida foi vivida, nocturnamente, em cafés, até que os cafés acabaram e ele começou a acabar como eles.

José Manuel dos Santos, O Espelho Vazio

02 de Maio de 2009

 

Jean François Millet, O Angelus (1859) e Salvador Dali, Atavismo do Crepúsculo (1933-1934)

 

 

 

 

Depois das palavras que Salvador Dali escreveu numa litografia de São Sulpício com o objectivo de provocar os seus colegas surrealistas: «Por vezes escarro, com gosto, no retrato da minha mãe», deu-se a ruptura definitiva com o seu pai, que considerou aquele acto como um verdadeiro insulto.

Por amor à sua terra, e ao contrário de outros pintores seus contemporâneos que se exilaram, o genial pintor surrealista decidiu comprar um pobre casebre numa baía próxima de Cadaqués, em Port Lliget.

É nesta altura que manifesta a sua obsessão por «O Angelus» de Jean François Millet; inspira-se na sua obra e acrescenta-lhe uma notável visão pessoal, pungente e crepuscular da sua terra árida, agreste e primitiva, estruturando as suas fantasias pictóricas de uma forma radicalmente arquitectónica.

publicado por adignidadedadiferenca às 21:07 link do post
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