«De facto, enquanto errarmos por aqui e por ali sem outro guia para além dos gritos e dos clamores discordantes entre si, que nos indicam diferentes direcções, desperdiçaremos a nossa vida, que os erros tornam ainda mais breve, mesmo que trabalhemos dia e noite com a melhor das intenções. Assim, determinemos bem o nosso objectivo e o meio de o atingir, não dispensando o apoio de um homem experiente no caminho que tomamos, pois, na verdade, esta viagem processa-se em condições diferentes: nas outras viagens, temos algumas indicações do caminho e, interrogando os habitantes locais, não nos perdemos; nesta viagem, os caminhos mais batidos e mais conhecidos são aqueles que mais nos enganam.
Por isso, o melhor é não seguirmos como ovelhas os rebanhos daqueles que nos antecederam, dirigindo-nos não para onde devemos ir, mas para onde todos vão. De facto, não há nada pior do que seguirmos os rumores, julgando que as melhores ideias são aquelas que são aceites pela maior parte das pessoas, tomando como exemplo a maioria e vivendo não de acordo com a razão, mas por imitação, Daí este enorme amontoado de homens que desabam uns sobre os outros.
Isto acontece quando, num grande ajuntamento, a multidão se comprime (...) tal como poderás observar ao longo da vida: ninguém erra apenas por sua conta, mas simultaneamente instiga e dá origem aos erros dos outros; por isso, é prejudicial seguirmos os nossos antecedentes: como cada um prefere crer a julgar, nunca se desenvolvem juízos sobre a vida, acredita-se sempre, e o erro vai passando de mão em mão, fazendo-nos rodopiar e cair. Seguindo o exemplo dos outros, pereceremos; curar-nos-emos, se nos separarmos da multidão.
De facto, a turba está, hoje em dia, contra a razão, defendendo o seu próprio mal. Isto é o que acontece nos comícios, onde os mesmos homens que elegeram os pretores se surpreendem ao vê-los eleitos, num momento em que a sua opinião volátil já mudara: ora aprovamos, ora reprovamos as mesmas coisas; tal é o resultado de todo o juízo que vai atrás da maioria.»
Da vida feliz, texto dirigido a L. Annaeus Novatus, irmão primogénito de Séneca. Pequeno excerto do livro A felicidade e a tranquilidade da alma. Tradução de Ricardo Ventura. Editado pela Ésquilo.