Satyajit Ray foi o cineasta indiano mais conhecido e admirado no ocidente (basta recordar que foi galardoado, por exemplo, pela Academia com um Óscar honorário em 1992) e tornou-se - a par do genial Guru Dutt (com quem, confesso, sinto mais afinidades), autor de Kaagaz Ke Phool (Flores de Papel, de 1959), esse excessivo e mágico melodrama, associado a um desenho perfeito do perfil psicológico das personagens, que é, ainda hoje, uma das obras-primas absolutas do cinema - um dos expoentes máximos da cinematografia indiana e, por acréscimo, do cinema mundial. Autor de uma obra com profundas raízes realistas, caracterizada por uma forte componente social, como é o caso, por exemplo, da famosa Trilogia de Apu (O Lamento da Vereda, O Invencível e O Mundo de Apu), a qual chegou ao mercado nacional há uns anos numa edição da Costa do Castelo em DVD, Satyajit Ray atingiu com Charulata, realizado em 1964, o seu cume estético, uma dimensão superior que se afasta do anterior realismo social e exibe um assombroso retrato feminino assente na personagem de Charu. A protagonista, pertencente à burguesia indiana dos finais do século XIX, amada mas negligenciada pelo marido, que vive ocupado com o jornal que dirige, desenvolve uma paixão inesperada pelo primo, com quem partilha o gosto pela literatura e o seu talento notável para a escrita, tornando-se uma espécie de paradigma da mulher moderna. Neste filme (e não só), Ray criou e desenvolveu um estilo minucioso, depurado e minimalista, com uma noção do tempo e do espaço bem assimilada, dotado de uma admirável invenção plástica e dramática que amplia de modo assinalável o seu microcosmos vivencial e afetivo. Uma obra magnífica que resistiu bem à passagem do tempo.