a dignidade da diferença
07 de Outubro de 2013

 

 

Jacques Rancière, um dos mais estimulantes pensadores contemporâneos no domínio da filosofia, da história ou da política, manteve uma relação muito próxima com o cinema. Afastando-se do papel de filósofo ou de crítico, é enquanto amante da sétima arte que decide escrever Os Intervalos do Cinema, uma abordagem assaz singular à sua relação com o objeto cinematográfico, definindo-a como um conjunto de «encontros e intervalos entre cinema e arte, entre cinema e política, e entre cinema e teoria». Quando escreve sobre cinema, Rancière exibe a sua vocação, os seus modelos narrativos, a sua relação com a literatura e as suas ambiguidades ou contradições, recorrendo sistematicamente à riqueza e à diversidade dos universos estéticos de autores maiores como Godard, Hitchcock, Rossellini, Minnelli, Vertov, Pedro Costa, Bresson ou Straub (e Huillet). Merece a pena destacar, a título meramente exemplificativo, uma curtíssima passagem da sua prosa, a qual resume bem a relação entre o cinema e a política, assim como a função de cada um deles:

 

 

«O cinema não apresenta um mundo que outros teriam de transformar. Faz, à sua maneira, a conjunção do mutismo dos factos e do encadeamento das acções, da razão do visível e da sua simples identidade ensimesmada. É à política, nos seus próprios cenários, que cabe construir a eficácia política das formas da arte. O mesmo cinema que proclama, em nome dos revoltados, “O amanhã pertence-nos”, assinala também que não pode oferecer outros amanhãs senão estes que são os seus. É isto que Mizoguchi nos mostra num outro filme, O Intendente Sansho, que conta a história da família de um governador de província afastado do seu cargo devido à sua solicitude para com os camponeses oprimidos. A sua mulher é raptada e os seus filhos vendidos como escravos para trabalharem numa mina. Para que o seu filho Zushio possa escapar, a fim de ir ter com a mãe ao cativeiro e cumprir a palavra dada libertando os escravos, a irmã de Zushio, Anju, afunda-se lentamente nas águas de um lago. Mas este cumprimento da lógica da acção é também a sua bifurcação. Por um lado, o cinema participa no combate pela emancipação, por outro, dissipa-se em círculos na superfície de um lago. É esta dupla lógica que Zushio irá por sua vez retomar, ao demitir-se das suas funções, uma vez libertados os escravos, para ir ter com a mãe, cega, na sua ilha. Todos os intervalos do cinema podem resumir-se no movimento pelo qual o filme que acaba de encenar o grande combate pela liberdade nos diz, num derradeiro plano panorâmico: - Eis os limites do que eu posso. O resto pertence-vos.»

Jacques Rancière, Os Intervalos do Cinema (tradução: Luís Lima), Ed. Orfeu Negro.

  

29 de Dezembro de 2012

 

Tendo em conta a dimensão estratosférica de obras que foram publicadas durante o ano e a impossibilidade física de aceder a um número mínimo exigível que permitisse ficar com uma perceção razoável daquilo que foi acontecendo de relevante no domínio da criação literária, apresentar uma lista dos melhores livros do ano será uma tarefa perfeitamente estúpida, ingrata e inútil. Na melhor das hipóteses, sem cair no ridículo, apenas poderei destacar daquilo que li os poucos livros que me agradaram (doze no total, uma média de um livro por cada mês do ano, incluindo novas edições, reedições ou primeiras edições de livros antigos). É o que farei.

 

A Economia dos Pobres, Abhijit V. Banerjee/Esther Duflo

 

O Legado de Humboldt, Saul Bellow

 

Obra Poética Vol.1, Jorge Luis Borges

 

Os Irmãos Karamázov, Fiódor Dostoievski

 

Poeira da Alma, Nicholas Humphrey

 

Os Manuscritos de Aspern, Henry James

 

Sobre a Balsa da Medusa, Anselm Jappe

 

Pensar, Depressa e Devagar, Daniel Kahneman

 

Mel, Ian McEwan

 

A Noite dos Proletários, Jacques Rancière

 

Do Natural, W. G. Sebald

 

Steve Sem-Sandberg, O Imperador das Mentiras

 

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