O momento até era propício. Tal como afirma Nuno Rebelo - um dos fundadores dos Mler Ife Dada -, depois da ditadura, o que era urgente era a música de intervenção política. Quando essa urgência terminou, quem viesse já não sentia necessidade de criar uma música carregada politicamente, mas mais aberta. Foi neste contexto que apareceram os Mler Ife Dada, cuja patente ficou registada sobretudo pela influência de Nuno Rebelo e de Pedro D’Orey (só mais tarde, quando este último foi viver para o Brasil, Anabela Duarte entrou para o grupo). Ainda assim, a música do grupo foi uma autêntica pedrada no charco no panorama musical português. Iniciando o seu percurso criativo com o EP Zimpó, marcado pelo surrealismo e pela improvisação, a música dos Mler Ife Dada cresceu e ampliou a sua paleta sonora com os estupendos Coisas Que Fascinam (de 1987) e Espírito Invisível (de 1989). Exemplares transportadores para o seio da música portuguesa do espírito tropicalista «act local, think global», os Mler Ife Dada ofereceram a quem os soube escutar uma música ecléctica e experimental, colorida, lúdica e contagiante, conceptual e formalmente transgressora, cuja diversidade estética, contudo, nunca a fez perder o rumo nem uma indesmentível unidade artística. Sintonizando no mesmo espaço musical a atmosfera do norte de África, as sirenes de Edgard Varèse, as teias do fado, a impovisão do jazz, o minimalismo electro-acústico, uma canção tradicional da Arménia (numa interpretação notável de Loosin Yelav), ou nacos apetecíveis de funk e de rap, a obra dos Mler Ife Dada desdobra-se e expande-se numa assombrosa colecção de canções que explode num rodopio de formas onde já não se distingue o erudito do popular. Vem tudo isto a propósito do regresso do grupo para uma série de concertos intermitentes, iniciada na passada sexta-feira no CCB. Se, em tese, deve sempre recursar-se qualquer exercício de pura nostalgia, este, embora não dispense um evidente regresso ao passado, não pode ser encarado exactamente como tal pois recupera uma música sem rugas - que contribuiu significativamente para a época de oiro da música moderna portuguesa -, cujo espírito de aventura lhe permite ainda estar um passo à frente de tudo quanto se faz actualmente neste país.