Desde a sua aparição no hiperclássico Singin’ in the Rain, o corpo de Cyd Charisse sempre representou mecânica, dinâmica e movimento. Quando deixou Gene Kelly literalmente de joelhos no assombroso bailado em que dança durante quatro minutos, Cyd Charisse deu uma nova vida ao musical. As mais belas pernas de Hollywood contracenaram com Fred Astaire no genial Band Wagon (1953) e, de novo, com Gene Kelly no mágico e encantador Brigadoon (1954), ambos de Vincente Minnelli. Sinuosa e carnal no primeiro, branca, generosa e fatídica no segundo.
Com Mamoulian, foi moscovita no Ninotchka musical, isto é, em Silk Stockings, onde lhe coube representar o papel que pertenceu anteriormente a Greta Garbo. Como escreveu Bénard da Costa, a propósito do bailado em que Charisse retira as meias de seda debaixo da almofada, «depois desse filme, nunca mais ninguém teve pernas». Porém, a Cyd Charisse mais assombrosa e mais actriz surgiu no espantoso Party Girl, do outsider Nicholas Ray. Neste filme excessivo e expressivo, trágico e sombrio, paradigma da modernidade e dado a paixões extremas, Cyd Charisse quase não dança – apesar dessa inesquecível mulher-leopardo -, quase não canta; é prodigiosamente ambígua, simultaneamente angélica e demoníaca, trágica e felina.