De Béla Tarr, no mercado português, só existia O Homem de Londres em DVD e a estreia comercial nas salas de cinema do último O Cavalo de Turim. Porém, com a recente edição a cargo da Midas Filmes de uma caixa com quatro dos seus filmes mais importantes, a obra do cineasta húngaro tem a possibilidade de alargar o seu culto em Portugal. Autor de um cinema que exige a máxima atenção e uma participação ativa do espectador e só a esse se entrega e se deixa descobrir plenamente, Tarr criou um universo cinematográfico único assente num retrato esmagador do mundo contemporâneo, um realismo árido e apocalíptico cuja visão nos conduz a uma camada da humanidade que vive sem esperança, cercada pela paisagem inóspita e eternamente condenada a um sacrifício que não leva a lugar nenhum. Metáfora do pesadelo comunista, da solidão e do sofrimento contemporâneos, a arte de Béla Tarr encontra nos longos planos-sequência, na densidade, na espessura e no contraste carregado do preto e branco, o meio adequado para nos contar a história derradeira da condição humana. O seu cinema distingue-se das outras linguagens pela forma como trabalha admiravelmente a imagem e o som, como constrói dramaticamente um espaço fechado ou coreografa o dilúvio que deixa aquela gente sem escapatória possível. Ao presenciar esta visão tão hipnótica, transcendente e poética, parece impossível evitar, usando uma expressão de João Lopes, a partilha duma «experiência sensorial e intelectual» absolutamente irrecusável, estimulante e irrepetível. Um olhar austero e desolador sobre personagens que se aproximam inevitavelmente do seu fim, onde a luz acaba e aquelas se sentem apenas acompanhadas por uma paisagem lamacenta e pelo tempo chuvoso, ventoso e extenuante. Danação, O Tango de Satanás, As Harmonias de Werckmeister e O Cavalo de Turim aí estão para combater a indiferença.