Eis o retrato realista e cruel da impossível (?) relação entre professores e alunos insolentes e com pouca vontade de aprender o que a escola tem para lhes ensinar. O cenário é o de uma escola pública situada em Paris onde um professor, director de uma turma multicultural e multirracial, vai perdendo a paciência (e a razão?) ao longo do ano lectivo, conforme vai tomando consciência da impossibilidade em conseguir fazer-se respeitar, controlar e ensinar os seus alunos numa sala de aulas.
Se não encontramos neste livro aquilo a que costumamos chamar «grande literatura», é inegável que se trata de um documento de vital importância para quem segue e se interessa pelo sistema de ensino – e não nos podemos esquecer que tudo isto também podia acontecer numa escola portuguesa -, onde o autor utiliza a escrita que lhe parece mais adequada ao seu discurso, por vezes trágico, outras vezes cómico, mas que nos consegue transmitir todo o cansaço que se vai apoderando dos professores daquele estabelecimento de ensino, assim como toda a apatia e indiferença generalizada dos alunos, culminando na dificuldade de comunicação entre ambos – e convém recordar as episódicas presenças dos pais dos alunos -, como podemos verificar, por exemplo, nos conselhos disciplinares que acabam, não raras vezes, nas expulsões.
O leitor interessado sente um autêntico murro no estômago ao verificar como aquilo que, aparentemente, quase todos defendemos, isto é, o conceito de uma escola pública para todos, se arrisca a ser materialmente insustentável quando exposto ao duro contacto com a selvagem realidade.
O autor defende que não será bem assim, ao aceitar que o caos que se vive nas escolas públicas é o preço a pagar por serem para todos.
Claro que, depois do livro, maior é a vontade de ver o filme. A data já está agendada. Não tarda muito, voltaremos a falar. Ou talvez não.
FLANNERY O’CONNOR
Se o desejo do leitor é a chamada grande literatura clássica com a capacidade interior de nos fazer arrancar, literalmente, os pés do chão, então «O céu é dos violentos», de 1960, é o romance ideal que deve, desde já, conhecer (e divulgar).
Mesmo para um ateu confesso como eu, esta é uma obra avassaladora, cuja atmosfera varre tudo, mas mesmo tudo, o que gira em seu redor. A genial escritora introduz-nos num mundo violento, habitado por personagens demenciais, obsessivas, corajosas e em luta permanente contra o destino que lhes foi traçado.
A história conta-se em poucas palavras, como aquelas que se apoderaram da contracapa da edição portuguesa do livro (publicado pela Cavalo de Ferro) e que passo a transcrever: Este segundo e último romance de Flannery O’Connor, narra a história de Francis Tarwater, um adolescente de catorze anos, que tenta a todo o custo escapar ao destino que lhe foi traçado desde tenra idade: seguir as pisadas do avô, um profeta fanático, com uma visão muito especial dos ensinamentos bíblicos. Quando o avô de Francis morre, logo no início do romance, o rapaz renega os seus ensinamentos, pega fogo à propriedade rural onde ambos viviam e vai ao encontro do seu tio, Rayber e do filho deste, Bishop, uma criança mentalmente atrasada. No entanto, Francis descobre que a força do destino se sobrepõe à sua nova vida secular e, através de um acto de extrema violência, reconcilia-se com a verdadeira missão da sua vida.
Ninguém pode ficar indiferente a esta linguagem extremada, brutal quando tem que ser, irónica, viciante e poderosa que no seu tempo alargou, um pouco mais, os limites estéticos estabelecidos para a ficção.
Tomando de empréstimo as palavras que Ana Cristina Leonardo (crítica literária do «Expresso») usou para terminar o texto que assinou sobre este romance espantoso: esta não é, definitivamente, uma obra para copinhos de leite.
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