É verdade que o período de grande fulgor criativo de Woody Allen já nos parece muito distante. Como acontece com quase todos os grandes cineastas – e este, sendo grande, não é, ainda assim, autor cujos filmes levássemos para uma ilha deserta – o percurso criativo de Allen, quando se aproxima do seu ponto final, mergulha irremediavelmente na mediania e no conformismo estético. Dele já não esperamos as chispas de génio do camaleão-Zelig, o romantismo irónico de Annie Hall ou de Manhattan, a profundidade emocional do magnificamente crepuscular Another Woman, a nostalgia deliciosa de A Rosa Púrpura do Cairo, o humor negro de Crimes e Escapadelas, ou, entre outros filmes admiráveis, o literário e mordaz Balas Sobre a Broadway. Os últimos trabalhos caíram na monotonia criativa e, tirando a acuidade crítica do notável Match Point, entre a apatia e a indigência, nenhum dos mais recentes filmes do realizador nova-iorquino escapou verdadeiramente aos seus lugares comuns. E foi assim até chegar o novíssimo Midnight in Paris, a mais recente comédia romântica de Woody Allen. Sem provocar uma ruptura temática ou mexer com a gramática cinematográfica, Midnight in Paris volta a colocar o seu autor num parâmetro estético bem acima da média. É um filme mágico, impressionista, uma belíssima e colorida fantasia visual, uma demonstração muito conseguida da capacidade de Woody Allen reinventar a sua fórmula narrativa. Uma história repartida por épocas diferentes, um delicioso regresso ao passado desfeito pelo vasto reportório do seu autor, capaz de, resumidamente, apimentar e pincelar em singulares polaroids os mais inesperados tipos de relações humanas, que compõe engenhosamente um filme com nervo, sentido estético, e simultaneamente cómico, trágico e apaixonado.