«A outra perversidade está associada a uma propositada amnésia da História, das Histórias coletivas e das histórias particulares. Tal propósito resulta na ostracização de todo o universo da administração pública e dos serviços públicos que são diabolizados por este discurso – o que, para além de ser política e socialmente injusto, revela, da parte dos atuais governantes, uma enorme ingratidão. Não foram a maioria deles nascidos e cuidados nos hospitais públicos, educados nas escolas e universidades públicas, não lhes foi possível empregarem-se na administração pública? Imagino o primeiro-ministro e o ministro-adjunto a entreterem-se com a sua própria formação musical assistindo a programas televisivos como o Passeio dos Alegres, do Júlio Isidro, nos Verãos das suas adolescências. Porquê agora esta obsessão, sem uma razão, para já, convincente, sem um argumento sólido, de privatizar parte da RTP? Contrariamente ao economismo e à sua arrogância, uma perspetiva cultural de abordagem à atualidade não abdica de insistir na necessidade da justiça e da existência de homens justos que, seguindo a ética aristotélica da justiça e do bem maior dos imperativos éticos kantianos, reclamam que a finalidade da ação é o homem e o seu bem em si, e não o privilégio de alguns, do qual se desculpam por via do assistencialismo, a forma mais discriminatória de distinguir os incluídos dos excluídos.»
António Pinto Ribeiro, Ípsilon, suplemento do Público de 13 de abril de 2012.