J. M. W. Turner, Dido builbing Carthage (1815)
O mais recente documentário de Frederick Wiseman, National Gallery – editado comercialmente em DVD há cerca de duas semanas -, investiga a grande instituição cultural britânica, focando o seu espaço e a realização de todo o tipo de actividades ou tarefas que ali se praticam, onde todos os seus colaboradores são protagonistas e intervenientes num amplo, trabalhoso e dinâmico processo cultural. Wiseman avalia o museu e aborda a sua história como um todo, exibindo as características do museu e a política cultural de quem o administra, bem como os princípios que unem as oficinas de conservação e restauro, as actividades pedagógicas para crianças ou o programa para grupos de invisuais, por exemplo. O seu modus operandi – com uma rara inclinação narrativa e um uso minucioso da luz e da cor - consiste na utilização de planos fixos, rigorosamente iluminados, neles fixando conversas e imagens de quadros, onde se detém para fazer sobressair uma singular visão da história da pintura. Notável será ainda a forma como o cineasta utiliza a profundidade de campo para revelar um museu que é todo salas e janelas dispostas em volta de um espaço circunscrito, criando, como acertadamente escreveu Vasco Baptista Marques, um lugar simultaneamente «aberto e fechado, fisicamente delimitado pelas fronteiras do museu, e esteticamente infinitizado pelas inumeráveis camadas de representação que cada uma das suas galerias e cada um dos seus quadros comporta». Seguindo meticulosamente as enriquecedoras apresentações e elaboradas explicações dos curadores e dos guias do museu sobre as telas de Vermeer, Rubens, Turner, Ticiano, Leonardo ou Caravaggio, por exemplo – atravessando a composição dos elementos, a utilização dramática da luz, a configuração psicológica das personagens ou o uso dos materiais -, Wiseman aproveita as suas magníficas lições de pinturas para os configurar como mui dignos representantes de uma prodigiosa cultura clássica.
Peter Paul Rubens, Samson and Delilah (1609)