Chegou a altura de divulgar a minha pequena lista de prendas que gostaria de oferecer (ou de receber) no Natal. Entre a música, a literatura e o cinema que foram aparecendo durante o ano em curso, deixo-vos com as minhas sugestões. Umas irei repetir quando sair a lista das melhores publicações do ano, outras, sendo boas, irão, muito provavelmente, apenas para as menções honrosas. Mas, por se adequarem – não só por razões estéticas – a esta época natalícia, entram nas minhas preferências actuais. Quanto ao balanço retrospectivo do ano, dele falaremos lá mais para diante.
Não vale a pena gastar muitas palavras para explicar as minhas escolhas uma vez que elas têm muito de subjectivo (como é natural). mas, mesmo assim, quero deixar duas ou três ideias sobre alguns dos discos, livros e filmes que aconselho.
Não sendo grande apreciador da obra de Manoel de Oliveira (e estou a ser generoso) desde que teve o reconhecimento internacional (excepção feita aos óptimos Vale Abraão e Porto da Minha Infância), opto, em relação ao cineasta português, pela escolha menos óbvia: Em vez da caixa comemorativa dos 100 anos que inclui 21 filmes da fase final da sua carreira, parece-me muito mais interessante oferecer o excelente catálogo editado pela Cinemateca Portuguesa Manoel de Oliveira Cem Anos. Preenchem o livro um texto de Víctor Erice e outro de Agustina Bessa-Luís, uma extensa entrevista ao realizador portuense e, por fim, as magníficas críticas de João Bénard da Costa aos filmes de Oliveira a partir de Non Ou A Vã Glória De Mandar (1990).
No resto, apresento as minhas opções com a preocupação de separar música, cinema e literatura com uma única excepção: a obra-prima de Dino Buzzati O Deserto Dos Tártaros, que teve adaptação cinematográfica à altura da autoria de um dos mais importantes cineastas italianos da segunda metade do século XX, Valerio Zurlini. Por essa razão, deverão ser dados em conjunto.
Prendas especiais serão a caixa de 32 cd com a obra completa (autorizada pelo compositor) de Olivier Messiaen, o extraordinário romance O Jogo Do Mundo de Julio Cortázar (esqueçam o prefácio dispensável de José Luís Peixoto, cujo título o choninhas luso, num momento de rara lucidez, escolheu de forma certeira) e, falando de cinema, a edição em DVD do sublime Elena e os Homens de Jean Renoir.
Fiquem, então, com as sugestões.
MÚSICA
CINEMA
LIVROS
Lonely Drifter Karen
Stereolab
O FAZEDOR DE UTOPIAS: UMA BIOGRAFIA DE AMÍLCAR CABRAL
Uma muito interessante biografia escrita por António Tomás (jornalista e antropólogo nascido em Luanda, em 1973) sobre o líder fundador do PAIGC, Amílcar Cabral. Ao contrário das habituais biografias bajulatórias ou que procuram apenas o éxito fácil através do relato de acontecimentos supostamente escandalosos do visado, esta é uma pesquisa séria e preocupada, principalmente, em trazer novamente a importância histórica e política dessa fascinante figura de África para o contexto actual, remediando alguma injustiça de que tem sido alvo por ter sido praticamente esquecido pelas gerações futuras.
É um retrato certeiro, eficaz e incisivo, próprio de uma linguagem que naturalmente denuncia a formação jornalística do seu autor, que procura fazer compreender aos seus leitores a importância da utopia do histórico líder africano – aquele que mais respeito mereceu do mundo ocidental pela sua formação intelectual e generosidade de pensamento -, reflectindo sobre o rumo que a sua vida tomou desde as suas raízes até ao seu assassinato, pairando, sobretudo, a ideia de unidade e independência que sempre atravessou o pensamento de Amílcar Cabral e que este procurou incutir a todos aqueles que com ele se cruzaram, mas que, ao mesmo tempo, lhe trouxe imensos problemas criados pelos opositores e inimigos que foi angariando ao longo da sua curta existência.
O livro foi publicado no ano passado, mas só agora tive a (feliz) oportunidade de o ler e aconselho-o vivamente a quem se interessa por história e política e, nomeadamente, pela história de África e da independência dos seus países.
«Amílcar Cabral nasceu guineense e cabo-verdiano, numa generosidade pan-africanista que, paradoxalmente, haveria de ser a sua desgraça.
Tenho para mim que foi uma das figuras mais interessantes do século XX, uma espécie melhorada (muito melhorada mesmo) de Che Guevara africano. O facto de o seu nome e de a sua obra dizerem hoje tão pouco às novas gerações de intelectuais africanos, e de ser praticamente desconhecido fora do continente, afigura-se-me uma enorme injustiça.
Este livro tenta devolver ao grande público essa figura maior de África. Fá-lo numa linguagem jornalística, apoiada numa investigação rigorosa. O facto de o seu autor, António Tomás, ser angolano, não me parece irrelevante. Trata-se de dar a ver um pensador e combatente africano numa perspectiva africana. Algo que teria certamente agradado a Amílcar Cabral.»
José Eduardo Agualusa, escritor angolano
CONTOS DE NATAL
Mudando de assunto e aproveitando a época natalícia, aqui vos deixo com mais umas recomendações musicais perfeitas para a época. Primeira recomendação, o belíssimo «Songs for Christmas» da autoria de Sufjan Stevens, soberbo autor de canções recheadas e enriquecidas por panorâmicos bordados orquestrais, que, neste conjunto de presentes musicais oferecidos à família – entre temas clássicos e muitos originais -, gravados entre 2001 e 2006 (com pausa em 2004), contraria a tendência habitual para a banalidade costumeira destes discos de espírito natalício.
Em segundo lugar, o óptimo «One More Drifter in the Snow» de Aimee Mann, em que a artista norte-americana se dedica a interpretar, com a sua banda habitual, uma série de clássicos de natal e termina o disco com uma canção da sua autoria que - já seria de esperar num texto seu - contraria tudo aquilo que se espera de uma canção natalícia, a espantosa «Calling On Mary».
Ambos apareceram nas lojas em 2006 e, desde então, têm sido a minha companhia musical para os últimos dias de cada ano.
Sufjan Stevens "Sister winter"
Aimee Mann "Calling on Mary"