Litlle Things (2005), Hanne Hukkelberg
Hanne Hukkelberg é um dos casos mais criativos e fascinantes da música popular contemporânea. Oriunda do norte da Europa, mais exactamente da Noruega, Hukkelberg reporta para a sua música – como testemunham os assombrosos Little Things (2005), Rykestrasse 68 (2007) e Blood From a Stone (2009) – o ar que ali se respira, as paisagens gélidas e o clima muito peculiar daquela região. Mas só isso explica muito pouco; alimentando-se de um precioso e elástico canibalismo sonoro, a singer-songwriter nórdica digere prolongadamente todos os componentes orgânicos e transforma-os prodigiosamente num corpo musical novo, genuíno, único e irrepetível. Rebuçados de jazz nocturno sinuoso com aroma de mentol embrulhados em partituras para crianças, pequenos devaneios instrumentais líquidos preparados em celofane, uma voz infantil docemente pecaminosa, esboços rítmicos e harmónicos ficcionados no laboratório, desenhos melódicos em câmara lenta divulgados sílaba a sílaba, ou subtis micro rupturas dissonantes na escultura sonora; todos estes elementos contribuem decisivamente para a formação desse portentoso e riquíssimo opus iluminado, intitulado Little Things (que outro título poderia ser mais apropriado?), que serviu para apresentar a sua autora ao mundo. E se àqueles microrganismos acrescentarmos as avarias das coordenadas no cruzamento de dados, as lesões profundas nas articulações do classicismo pop ou uma visão tridimensional da substância musical, ficamos com uma ideia precisa da matéria que compõe este disco extraordinário, raro e belíssimo, mantido milagrosamente em segredo até hoje, e que só está ao alcance dos ouvidos que sabem escutar o silêncio destas pequenas coisas que escapam ao mediano, ruidoso e limitado mainstream musical.
Cast Anchor