Centrado numa ideia muito particular da relação do Homem com a Natureza, Zemlia (A Terra), de Aleksandr Dovjenko, genial cineasta ucraniano, é um extraordinário filme panteísta, onde a natureza, munida de uma unidade vital e dinâmica, é concebida como um ser divino. Nele, existe uma harmonia espantosa entre os gestos ondulantes das searas, o olhar pensativo dos animais e o movimento dos corpos que trabalham na terra, revela-se um brilho sobrenatural quando pinta os frutos e as flores. Filme mudo, de 1930, com uma detalhada e preciosíssima fotografia a preto e branco (naturalmente!), ossui uma riqueza cromática muito superior a imensos dos posteriores filmes a cores. Concebido como um extraordinário poema visual, fruto de um acentuado lirismo assente no olhar maravilhado do seu autor, Zemlia dança entre planos gerais e grandes planos, profetiza sobre o que a vida tem de mais belo, regozija com a sua doçura, sonha com o paraíso e faz-nos esquecer, simultaneamente, como dele se afasta na realidade a condição humana. Um filme admirável, cuja imensa mise-en-scène nos consegue mostrar, nos seus 78 minutos de duração, como «a vida será doce, meiga e leve como um afago». Vimo-lo, pela primeira vez, esta noite.