«A televisão não é um meio de expressão. A prova é que, quanto mais idiota mais fascinante ela é, mais as pessoas ficam hipnotizadas nas cadeiras. A televisão é isso, mas espera-se que mude. A chatice é que, quando se começa a olhar para a televisão, não se consegue descolar. O melhor é não ver. Por isso não se deve considerá-la como um meio de expressão, mas como um meio de transmissão. Deve ser tomada como tal. Se já não resta senão esse meio para falar da arte às pessoas, não há outro remédio senão usá-lo. Porque, mesmo de filmes como Lola Montès ou Alexandre Nevsky fica qualquer coisa, na televisão, apesar da deformação dos enquadramentos, do ecrã redondo, do acinzentado da fotografia ou da ausência de côr. O espírito mantém-se. Com Lola Montès, o que se perdia em muitos planos recuperava-se no diálogo, a que, precisamente por isso, se acabava por prestar mais atenção. O filme conseguia aguentar-se unicamente pelo diálogo. Era assim que o seu espírito passava. Isso acontece com todos os filmes bons: basta que uma parte do filme subsista e essa parte chega para segurar o filme inteiro. Por isso a televisão, mesmo assim, transmite o espírito das coisas, isso é muito importante, para não falar das coisas em que não há nada a transmitir a não ser o espírito. O que é curioso é que Nevsky, que é todo ele assente no enquadramento e na composição, passava muito bem, apesar do massacre inevitável, ao passo que a transmissão do Perses, de Jean Prat, baseada – salvaguardas as devidas proporções – no mesmo princípio, não passava de todo em todo. Sentia-se que Nevsky era belo.»
Jean-Luc Godard, Edição da Cinemateca Portuguesa, 1985.