Agora que estão aí a chegar as eleições para as presidenciais americanas, só faria bem se algum dos candidatos dedicasse um pouco do seu tempo a ler a obra magistral de Walt Whitman, o poeta verdadeiramente apaixonado pela democracia.
Nascido em Long Island, em 1819, foi, sem qualquer dúvida, um dos mais originais e corajosos poetas de dimensão universal, possuidor de um sentido de grandeza e majestade, a par de um lirismo profundo, que lhe concederam uma vida com uma dimensão que muito poucos obtiveram.
Foi, além de notabilíssimo poeta, jornalista, tipógrafo e editor, conhecendo por dentro a guerra civil do seu país, impondo-se pela sua franqueza, frontalidade e radicalismo, sendo célebre o que dele próprio disse: não sou traduzível, nem fui domesticado!
Para a posteridade, deixou essa obra imensa, publicada em 1855 e que foi aumentando até morrer a 26 de Maio de 1889, a poesia de uma vida inteira «Leaves of grass» que no nosso país foi traduzida como «Folhas caídas» e se encontra editada pela Assírio & Alvim e pelo Círculo de Leitores.
A originalidade da sua escrita tinha os traços de uma linguagem coloquial que rompia com a tradição, possuindo um aroma e uma sensibilidade desafiadoramente livre no verso escolhido.
Foi ele, inquestionavelmente o grande poeta da América, antes de tudo, pela sua profunda crença na liberdade. Como muitos já o disseram, tinha dentro de si todos os sonhos do mundo.
E, por fim, como português, não podia acabar sem referir a extrema admiração que o genial Fernando Pessoa, pela voz de Álvaro de Campos, sentia pelo poeta americano, bem expressa na magnífica «Saudação a Walt Whitman».
Celebro-me e canto-me,
E aquilo que assumo tu deves assumir,
Pois cada átomo que a mim pertence a ti pertence também.
Vagueio e convido a minha alma,
À vontade vagueio e inclino-me a observar a erva do Verão.
A minha língua, cada átomo do meu sangue, composto deste solo, deste ar,
Aqui nascido de pais aqui nascidos de outros pais aqui nascidos, e dos seus
Pais também,
Eu, aos trinta e sete anos, de perfeita saúde começo,
Esperando que só a morte me faça parar.
Suspensos os credos e as escolas,
Retiro-me por certo tempo, deles saturado mas não esquecido,
Sou o porto do bem e do mal, e seja como for falo,
Natureza sem obstáculos com a sua energia original.
Excerto de «Canto de mim mesmo» traduzido por José Agostinho Baptista
Nunca posso ler os teus poemas a fio... Há ali sentir a mais...
Atravesso os teus versos como uma multidão aos encontrões
e cheira-me a suor, a óleos, a actividade humana e mecânica.
Nos teus poemas, a certa altura, não sei se leio ou se vivo,
Não sei se o meu lugar real é no mundo ou nos teus versos.
Excerto de «Saudação a Walt Whitman» de Álvaro de Campos