Para Camané, como o próprio afirmou há dias à Blitz, o fado (ou a canção) é uma coisa séria. Daqui se retira que o seu espaço musical não é, positivamente, povoado de cantiguinhas. Conduzindo a máxima depuração sonora à máxima expressividade, o rigor interpretativo de Camané assimilou progressivamente a composição teatral de José Mário Branco - um dos maiores estetas da música portuguesa contemporânea – entrelaçando textos e melodias, numa escrita simultaneamente fina e austera, ampliando a riqueza e o significado das palavras de alguns dos maiores poetas e escritores de língua portuguesa. Não obstante a dificuldade em destacar temas num disco que prima pela sua unidade e pelo princípio de que «todo o cuidado é pouco», sobressai, ainda assim, o quase-murmúrio de Triste Sorte, o notável e delicioso swing de Ai Miriam, a gravidade de Chega-se a Este Ponto, a sedução de Quatro Facas ou a tocante solidão de Aqui Está-se Sossegado. A voz de Camané, como muito bem ilustra o documentário que acompanha o disco, vem «de dentro» e renova-se a cada instante, serena, vibrante. Não abdicando da acuidade melódica da viola de Carlos Manuel Proença, do fraseado e do inacreditável som da guitarra portuguesa de José Manuel Neto, ou da presença tão discreta quanto essencial de Carlos Bica - sublime trio de instrumentistas que o acompanha meticulosamente -, Camané atingiu, no seu mais recente álbum de originais, Infinito Presente, o cume da sua arte da contenção, configurando-se como brilhante contraponto aos excessivos malabarismos vocais que por aí habitam.