«Idealmente, não são as obras que devem agradar aos homens, mas os homens que deveriam tentar estar à altura das obras. Não cabe ao espectador/consumidor escolher a sua obra, mas à obra escolher o seu público, determinando quem é digno dela. Não nos compete julgar Baudelaire ou Malevitch; são eles que nos julgam e que julgam a nossa faculdade de julgamento. A obra, nesta perspectiva, não deve estar ao “serviço” do sujeito que a contempla. Podíamos dizer da arte o que é válido para a ética: estabelece parâmetros, indica onde é que os indivíduos deveriam esforçar-se por chegar – e não o contrário. Uma das funções da arte foi sempre mostrar aos indivíduos um mundo superior, no qual encontrávamos a liberdade e a intensidade cuja ausência se fazia sentir tão cruelmente na vida de todos os dias. A arte deixava entrever modos de vida mais elevados e mais essenciais, tanto na epopeia como na primeira pintura abstrata – e confrontava assim o individuo com o estado do mundo real.»
Anselm Jappe, Sobre a Balsa da Medusa, tradução de José Alfaro