Paris 1919, publicado em 1973, consistia num delicado rendilhado de música sedutora, elegante e, no limite, «invisível». Editado um ano depois, Fear, por sua vez, já trazia consigo a atmosfera de medo, tensão, excesso e claustrofobia que irá perseguir, amiúde, a notável carreira do seu autor. Com Honi Soit, John Cale prosseguia e desenvolvia, em 1981, esse universo de claustrofobia sonora com um conjunto imaculado de canções elaboradas em cenários de fogo e gelo. Ainda assim, apesar desses avisos, poucos seriam os que se prepararam para escutar e digerir, no ano seguinte, o assombroso universo de escuridão, desespero, desorientação, perda e horror, que habitava as canções sedutoramente caóticas do genial Music For a New Society. Contextualizado no seu tempo, pode ser encarado como uma reacção meticulosa e crua aos anos amargos da administração Reagan/Tatcher, funcionando ainda como denúncia ácida e feroz desse período de desencanto, do qual sobressai um mal-estar individual ou até colectivo. John Cale extrai das suas canções - se nos for permitido designá-las ainda desta forma… - o derradeiro sopro de vida, sustentando-as com frágeis fragmentos de melodias à deriva, com acordes lentos e solitários de piano e guitarra, com esboços de viola de arco sussurrados ao ouvido ou lamentos e pontuações emotivas de bateria. Assim configuradas, as peças de Cale, amplamente desfiguradas, sobrevivem inesperadamente num ambiente tortuoso, ambíguo e obsessivo, apelando à absoluta necessidade de mudança. Rigorosamente construído e magnificamente executado, Music For a New Society, não ganhou uma única ruga e perdura ainda hoje como um portentoso exercício sobre a perda, o cansaço, a desorientação e a ansiedade. Exemplo superlativo da arte excessiva do seu autor será a desintegração literal da Ode à Alegria de Beethoven, convertida em Damn Life num assustador pesadelo de dor, solidão e desencanto. Essencial, perturbante, complexo e intenso, Music For a New Society, apesar da sua escuridão, colhe o género de música capaz de destruir vidas e de simultaneamente, ao cantar esses pesadelos, as salvar*.
* Inspirado no comentário dos National ao seu magnífico Boxer, retirado daqui.