«Há uma contradição no génio da literatura russa. De Pushkin a Pasternak, os mestres da poesia e da ficção russas pertencem ao mundo como um todo. Os seus poemas, romances e contos são indispensáveis mesmo quando os lemos em traduções fracas. Sem estas obras temos dificuldade em imaginar o reportório dos nossos sentimentos e da humanidade comum. Com o seu estilo historicamente breve e constrangido, a literatura russa partilha esta universalidade envolvente com a Grécia antiga. No entanto, o leitor não russo de Pushkin, Gogol, Dostoievski ou Mandelstam é sempre um intruso. Está essencialmente a espreitar para um discurso íntimo que, apesar da obviedade da sua força comunicativa e da sua pertinência universal, nem os críticos intelectuais mais experientes e perspicazes do Ocidente conseguem perceber com todo o rigor. O significado permanece obstinadamente nacional e resistente à exportação. Claro que isto se deve, em parte, a uma questão de língua ou, mais exactamente, à desconcertante gama de línguas à qual os escritores russos recorrem, e que vai das formas regionais e populares às formas altamente literárias e mesmo europeizadas. Os obstáculos que um Pushkin, um Gogol, uma Akhmatova põem no caminho da tradução integral são abundantes. Mas o mesmo se pode dizer a respeito dos clássicos escritos em muitas outras línguas, e apesar de tudo, os grandes textos russos conseguem fazer-se entender num determinado plano – na verdade, num plano bastante amplo e revelador.»
George Steiner, in George Steiner at The New Yorker, 2009