a dignidade da diferença
01 de Março de 2015

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Les Parapluies de Cherbourg (Os Chapéus-de-Chuva de Cherbourg), de Jacques Demy, será a alma gémea cinematográfica de Splendor in the Grass (Esplendor na Relva), de Elia Kazan, não obstante se afastar das obsessões eróticas nem se deixar inundar pela intensidade dramática deste último. Contudo, como mui acertadamente notou João Bénard da Costa, quando a seu tempo escreveu sobre o primeiro, «Geneviève e Guy amaram-se de um amor tão novo e tão carnal como os heróis de Kazan e também não foram capazes de resistir às famílias, às separações e às ausências. O tempo deles passou sem que eles se apercebessem da passagem. Casaram-se trocados, com o “boy next door” ou com a “girl next door”, os que souberam durar mais e persistir mais. E quando, no fim, se reencontram, ela de casaco de peles, ele na estação de gasolina, há a mesma tristeza inenarrável do último encontro de Natalie Wood e Warren Beatty». Não conheço muitos filmes tão iluminados por essa lucidez desencantada, por esse sabor agridoce, como sucedeu no musical cantado e encantado do cineasta francês – ancorado na magnífica música de Michel Legrand – ou invadidos por uma tensão no limite do suportável como acontece no sublime drama - a roçar a tragédia - de Elia Kazan, sobressaindo em ambos uma capacidade rara para utilizar a cor com força expressiva. Revi maravilhado, há dias, o primeiro e fiquei com uma vontade imensa de voltar a pegar no segundo.

 

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publicado por adignidadedadiferenca às 23:54 link do post
11 de Janeiro de 2015

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Pickup on South Street (1952)

 

Graças a um velho catálogo da Cinemateca Portuguesa sobre Samuel Fuller, organizado por João Bénard da Costa e M. S. Fonseca, aproveito para recordar um magnífico artigo assinado por António-Pedro Vasconcelos, nos seus tempos de acutilante crítico de cinema, sobre o imaginário singular e obsessivo do grande cineasta norte-americano, circunscrito a um rol de personagens ambíguas e inquietas. Um texto admirável, conciso e certeiro a respeito do cinema físico, primitivo, rude e simples de um clássico contador de histórias, cuja característica mais imediata consiste numa tensão contínua e num ritmo estonteante que atravessam toda a sua obra sem qualquer sinal de abrandamento, intercalados por momentos de um lirismo inesperado e comovente. Fica aqui um excerto para quem se der ao trabalho de o ler: «As histórias de Fuller não pretendem ser o espelho de nenhuma realidade; elas são apenas um puzzle obsessivamente construído à volta de uma ideia fixa: fabricar emoções com personagens sem prestígio e com situações sem glória. Fuller desconfia dos heróis, dos sentimentos nobres e de todos os idealismos. Os seus “heróis” são outros: são carteiristas, prostitutas, loucos, gangsters ou soldados, outsiders, que vivem, por necessidade ou por gosto, nas margens da lei e da sociedade.

 

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Underworld USA (1960)

 

O seu móbil comum: a sobrevivência. Fuller prefere descrever um mundo, onde reinam a traição e a denúncia, o crime, o roubo e a violência, sabendo que só aí podem nascer subitamente sentimentos admiráveis: talvez por isso, nenhum filme de Fuller é tão sublime como esse Pickup on South Street, que reúne Widmark, Thelma Ritter e Jean Peters (…) Este filme anti-comunista, que o pôs durante anos no índex da crítica marxista (porque denunciava os processos da guerra fria e os malefícios do estalinismo, mais de 30 anos antes de Gorbachov) era, ao mesmo tempo, um filme pouco lisonjeiro para com as mais sagradas instituições americanas, porque mostrava aos seus concidadãos que um carteirista desprovido de patriotismo ou de qualquer móbil altruísta fazia melhor que a polícia o seu trabalho e podia ser útil ao país. Como dizia Celine “o mais interessante da história dos homens passa-se na sombra”. São esses personagens que acedem a uma grandeza inesperada, como o sargento de Big Red One, e que Fuller faz emergir da obscuridade (…) Os filmes de Fuller não nos dizem nada sobre a guerra ou o jornalismo, um manicómio ou o mundo dos gangsters. Democrata e liberal, acima de tudo individualista, o que nos diz a obra deste admirador de Jefferson e de Adlai Stevenson é que nenhuma instituição é boa se não respeita acima de tudo o indivíduo. Pessimista, ele não se faz ilusões sobre a bondade dos móbeis humanos e por isso se tornam mais admiráveis as acções solitárias dos seus obscuros e inesperados heróis, que brilham como pequenos diamantes no coração da Terra.»

23 de Março de 2014

 

 

No seguimento do texto anterior, relendo o catálogo de Jean Renoir, editado pela Cinemateca Portuguesa, a propósito do centenário do seu nascimento – 1994, ano de Lisboa Capital Europeia da Cultura -, recordo a pouca importância que o cineasta dedicava ao argumento do filme. Segundo ele, numa entrevista a Jacques Rivette, a genialidade de filmes como La Nuit du Carrefour, Tire-Au-Flanc, Le Déjeuner Sur L’Herbe ou Le Testament du Docteur Cordelier provinha da convicção «qu’il nous faut débarrasser du souci de racconter l’histoire. Ou seja, «porque há uma coisa, que não tem nenhuma importância em arte e que é ter uma história. A história não tem importância nenhuma. O que é importante é a maneira como se conta». Mais adiante, Renoir explica melhor: «O que era importante, para mim, era o grande plano. Acontecia que, para engolir um grande plano, o público precisava de uma história. Submeti-me a essa necessidade, mas submeti-me de muito má vontade». Em suma, como exemplo da necessidade de usar uma história com a finalidade de não espantar a caça, não conheço melhor.

21 de Maio de 2009

07 de Fevereiro de 1935 - 21 de Maio de 2009

 

Como crítico de cinema era o maior!

E, por hoje, não tenho mais nada a acrescentar.

 

publicado por adignidadedadiferenca às 21:22 link do post
03 de Setembro de 2008

 

Agora que já devorei o livro apresentado pela Fundação Calouste Gulbenkian e escrito por João Bénard da Costa, é hora de regressar a «Como o cinema era (é) belo».

No livro, fui, deliciado, percorrendo uma história cinematográfica sob um ponto de vista geográfico, recordando lenta e introspectivamente os belíssimos filmes que já tinha visto. Filmes italianos, franceses, do leste europeu, norte-americanos (a grande fatia), suecos, indianos, japoneses, árabes, dinamarqueses, ingleses e de outros pontos do planeta que seria exaustivo mencionar.

Vieram-me à memória realizadores de filmes mal-amados, filmes mudos, filmes a preto e branco, filmes de sempre e filmes esquecidos. Com os cineastas chegaram-me os actores e as actrizes. Bogart, Cary Grant, James Stewart, Wayne, Fonda, Welles, Warren Beatty, Tcherkassov, Michel Simon, Guru Dutt, Maureen O’Hara, Kim Novak, Dietrich, Jean Seberg, Gene Tierney, Natalie Wood, Elena Kuzmina, Ingrid Bergman, Alida Valli e mais um número infindável de nomes inesquecíveis.

De todos eles se falou neste livro. Como também se «mostraram» cinquenta filmes imensos que, no meu caso, serão guardados – uns mais do que outros, naturalmente – num cantinho qualquer da memória. De dois, principalmente, já quase me tinha esquecido, tão rara e difícil é a sua visão: do hiper-romântico e trágico Flores de papel do indiano Guru Dutt (de 1959) e do poético e milagroso À beira do mar azul do soviético - na altura - Boris Barnet (de 1936).

 

Vou, a partir daqui, seguir a mesma sequência lógica a que me propus no «post» inicial. Serão lembrados filmes do livro e filmes que aí não são referidos. O importante é (aproveitando a oportunidade) falar de como o cinema era, e ainda é, (muito) belo.

 

E, apenas porque o revi ontem, até vou começar por um filme estranho ao ciclo: Rumble fish de Francis Ford Coppola. Uma pérola intensa, cerebral, cheia de sombras e de nevoeiro, uma espécie de jóia negra com um Matt Dillon muito próximo, fisicamente e no tipo de atitude, daquilo que poderia ter sido um Jeff Buckley actor em vez de músico, um Mickey Rourke que nunca mais voltou a ser tão bom a fazer o papel de um tipo meio louco meio herói, sem esquecer uma BSO magnífica e experimental assinada por Stewart Copeland, perfeitamente enquadrada no ritmo das palavras e das imagens e suficientemente autónoma e personalizada para sobreviver sem essa âncora, que deixava a milhas de distância toda a discografia dos Police. Tal como Rumble fish estava a anos-luz do inocente e açucarado The Outsiders.

 

 

05 de Agosto de 2008

Aproveitando o magnífico catálogo apresentado pela Fundação Calouste Gulbenkian - Serviço de Belas-Artes, com o apoio da Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema, escrito e elaborado por João Bénard da Costa a propósito do ciclo que passou entre Novembro de 2006 e Fevereiro de 2007 no Grande Auditório da Fundação, que recebeu o título «Como o cinema era belo» vou recordar alguns dos meus filmes favoritos de sempre. Alguns coincidem com a escolha feita pelo autor do catálogo e responsável pelo ciclo, outros são apenas preferências minhas.

Vou-me limitar a reproduzir fotografias desses belíssimos filmes, sem o apoio de qualquer texto ou opinião pessoal. Apenas uma singela homenagem ao cinema. De ontem e de hoje.

 

Sanshô Dayú (O intendente Sansho) - Kenji Mizoguchi

Citizen Kane - Orson Welles

Jean Seberg nas filmagens de Lilith - Robert Rossen

The searchers (A desaparecida) - John ford

Chikamatsu Monogatari (Os amantes crucificados) - Kenji Mizoguchi

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