A obra extensa de J. S. Bach abrange praticamente todas as formas musicais em voga na sua época, talvez com a única exceção da ópera. E entre a sua música instrumental mais significativa, contam-se, como melhores e mais notórios exemplos, as Suites Francesas, as Sinfonias ou o Concerto Italiano. Paradigma da exuberância criativa do seu autor, as referidas composições são o reflexo exato da riqueza cromática e da preciosa ornamentação estilística que caracterizaram o que de melhor teve o período barroco. Gustav Leonhardt, na qualidade de cravista, cortou-lhe os excessos, num gesto certeiro de depuração e concisão estética, e traçou-lhes a bissetriz perfeita, a qual, paradoxalmente, em vez de os separar, conseguiu aproximar o mundo antigo do contemporâneo (o dele; não esqueçamos que a última gravação é de 1980). Fê-lo admiravelmente, combinando a arte do contraponto e a clareza do seu pensamento com a transparência estrutural e harmónica das peças musicais, realçando ainda a arquitetura das formas, fundindo as características francesas, italianas e alemãs num registo simultaneamente introspetivo e metafísico sem perder de vista um contagiante efeito de celebração musical. Uma antologia que nos devolve a inesgotável riqueza do admirável mundo antigo.
Excerto do filme Crónica de Anna Magdalena Bach, de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet