É bem patente a intenção de psicologizar e dramatizar as fronteiras entre os espaços interior e exterior. Esta ideia é continuada e acentuada em Quartos para Turistas, de 1945. Neste quadro, o tratamento das fronteiras é fundamentalmente ambivalente; trata-se, presumivelmente, da ilustração da descoberta de Freud de que os domínios do oculto e do alienante podem bem transitar um para o outro, visto que têm a mesma origem. A casa com os quartos de hóspedes ergue-se na noite, como um local acolhedor; as suas divisões iluminadas no rés-do-chão e a placa publicitária iluminada pela luz ao pé da vedação de sebe do lado da rua prometem segurança. Mas este local de conforto e acolhedor comporta ao mesmo tempo algo alienante, pois atrás das suas janelas iluminadas não se vêem pessoas e a luz que sai das janelas do rés-do-chão é de tal maneira forte que dir-se-ia a casa ser iluminada por uma única fonte de luz, no seu centro, dando-lhe uma claridade estranha. Este quadro transcende, assim, os seus contornos realistas: faz lembrar uma certa casa iluminada de maneira estranha por dentro, representada por Edvard Munch em A Tempestade (1893).
A casa dos quartos de hóspedes é, no quadro de Hopper, a única coisa bem iluminada também por fora, por uma luz cuja origem é desconhecida. Na sua fachada principal, encontram-se as luzes exterior e interior, a casa está revestida pelos tais efeitos de luz alienadores, que também caracterizam O Império da Luzes II (1950), de René Magritte.
Rolf G. Renner, in «Edward Hopper, Transformações do Real», Taschen 2001