Henri Rousseau, Cigana a Dormir, 1897
A tensão entre o ameaçador e o pacífico é indissolúvel. De onde vem o vento que faz esvoaçar a juba do leão nesta calma noite de luar? Será que a linha rígida da margem não interpõe uma parede de cenário protectora entre dois factos incompatíveis entre si? Será que o animal selvagem é parte do sonho que a mulher estranhamente demoníaca está a viver? Será que se trata de uma projecção erótica do próprio pintor que, na pele do leão, imagina a sua bela vítima? (…) Todas estas questões desvanecem-se perante o facto «imagem» cujo princípio de montagem revela – para usar o mesmo termo que André Breton – a «influência de causalidades mágicas». (…) Esta obra-chave da arte fantástica supera o Simbolismo da época, podendo, por isso, ser vista como precursora da pintura metafísica de Giorgio de Chirico. Pois não é a ideia codificada que compõe o conteúdo, mas sim a realidade dos factos deslocados. O impossível torna-se real; o observador vê-se confrontado com os limites da linguagem.
Cornelia Stabenow, Henri Rousseau, Taschen, 1998, Tradução: Ruth Correia
Giorgio de Chirico, Gladiadores e Leão, 1927