a dignidade da diferença
05 de Setembro de 2011

 Litlle Things (2005), Hanne Hukkelberg

 

 

 

Hanne Hukkelberg é um dos casos mais criativos e fascinantes da música popular contemporânea. Oriunda do norte da Europa, mais exactamente da Noruega, Hukkelberg reporta para a sua música – como testemunham os assombrosos Little Things (2005), Rykestrasse 68 (2007) e Blood From a Stone (2009) – o ar que ali se respira, as paisagens gélidas e o clima muito peculiar daquela região. Mas só isso explica muito pouco; alimentando-se de um precioso e elástico canibalismo sonoro, a singer-songwriter nórdica digere prolongadamente todos os componentes orgânicos e transforma-os prodigiosamente num corpo musical novo, genuíno, único e irrepetível. Rebuçados de jazz nocturno sinuoso com aroma de mentol embrulhados em partituras para crianças, pequenos devaneios instrumentais líquidos preparados em celofane, uma voz infantil docemente pecaminosa, esboços rítmicos e harmónicos ficcionados no laboratório, desenhos melódicos em câmara lenta divulgados sílaba a sílaba, ou subtis micro rupturas dissonantes na escultura sonora; todos estes elementos contribuem decisivamente para a formação desse portentoso e riquíssimo opus iluminado, intitulado Little Things (que outro título poderia ser mais apropriado?), que serviu para apresentar a sua autora ao mundo. E se àqueles microrganismos acrescentarmos as avarias das coordenadas no cruzamento de dados, as lesões profundas nas articulações do classicismo pop ou uma visão tridimensional da substância musical, ficamos com uma ideia precisa da matéria que compõe este disco extraordinário, raro e belíssimo, mantido milagrosamente em segredo até hoje, e que só está ao alcance dos ouvidos que sabem escutar o silêncio destas pequenas coisas que escapam ao mediano, ruidoso e limitado mainstream musical.

 

Cast Anchor 

22 de Julho de 2009

 

E não há ninguém neste país que escreva sobre isto?

 

Hanne Hukkelberg "Bygd Til By"

 

Hanne Hukkelberg "Salt Of the Earth"

 

publicado por adignidadedadiferenca às 23:59 link do post
17 de Junho de 2009

 

 

E à terceira tentativa com Blood From a Stone, depois dos sobreexcelentes Little Things e Rykestrasse 68, Hanne Hukkelberg consegue criar, com o aperfeiçoamento de todas as experiências de laboratório usadas nas gravações anteriores, a obra de arte completa. Uma radiografia assombrosa do mundo actual em que vivemos enlaça-nos perigosamente rumo a uma atmosfera de pesadelo, perturbação, estranheza e revelação.

Textos quase telegráficos - mas com substância - resumem emoções (humanas?) escondidas atrás de máscaras, ora invadidas pelo medo ora pela dor ou pela dificuldade de relacionamento, e adivinham os seres vagamente estranhos que somos. Histórias de um mundo misterioso e fascinante como se de pura ficção científica se tratasse.

Mas o que mais nos espanta é o absoluto domínio que Hanne Hukkelberg exerce sobre a matéria musical, criando uma complexa mas francamente acessível teia sonora. Contactos imediatos com os A.R.Kane de Sixty Nine, um baixo ligado à tomada que acompanha, literalmente, a batida do coração, a leitura futurista de Soak de Mimi Goese e dos Hugo Largo, o som metálico aprendido nas audições de Colossal Youth e o espantoso aproveitamento dramático da percussão como já não se (ou)via desde Music For A New Society – entre outras coisas sublimes -, convergem harmonica e ritmicamente para uma paleta sonora impressionista e esteticamente visionária que atravessa todas as fronteiras possíveis - e que só por acaso sabemos situar-se geograficamente no norte da europa.

Midnight Sun Dream é a canção de embalar em ambiente surrealista, Blood From A Stone e Bandy Riddles convocam a Stina Nordenstam de And She Closed Her Eyes para cantar sobre miniaturas de rock falsamente exuberante em banho-maria, Salt Of The Earth junta a tensão dramática de Cale e Bernard Herrmann a uma Diamanda Galas em admirável estado de contrição e é uma das mais inesquecíveis canções de que há memória. E ainda falta recordar a espantosa desconstrução de Crack em devastadora derrocada fatal e a inclassificável (e indecifrável?) Bygd Til By, solução assombrosa que Björk não encontrou para resolver Vespertine.

Quanto ao que fica por dizer, tudo se resume à incredulidade que sentimos quando escutamos o disco: Mas de onde é que isto vem?

Não adivinho competição à altura para lhe tirar o título de gravação do ano, mas, sinceramente, já lhe estou a reservar lugar certo junto de clássicos intemporais da estirpe de Rock Bottom, Highway 61th Revisited, Astral Weeks ou Veedon Fleece, Swordfishtrombones ou Blood Money, Starsailor, Porcupine, I Want To See The Bright Lights Tonight, Motion ou Mettle.

Uma obra genial que quero guardar só para mim.

 

Salt of the earth

 

Seventeen

 

23 de Outubro de 2008

 

 

Mais para preencher um pouco de espaço no meu blog do que por uma razão muito especial, apeteceu-me regressar ao extraordinário álbum de estreia de 2004 da nórdica Hanne Hukkelberg. Se calhar nem será bem assim, porque tenho dedicado algum do meu tempo a escutar o recente «Grass Is Singing» dos óptimos Lonely Drifter Karen e a voz da cantora Tanja Frinta lembra-me imenso a de Hukkelberg.

Tendo influenciado muito ou pouco a minha decisão, o facto é que Little things voltou a ocupar o meu imaginário.

Como, obviamente, já esperava, não dei o meu tempo por perdido. Magníficas canções construídas num laboratório pop privado, com a mistura certa de silêncio, experimentação e instinto melódico, combinada com arranjos invulgares próprios de quem possui ousadia estética, imenso talento e originalidade – o que começa a tornar-se um belíssimo hábito da música vinda do norte da Europa –, prontas a serem consumidas por um clube muito restrito e privado de admiradores. E é tão bom que assim seja.

 

 

 

 

Como aquela que nos foi oferecida pelos Mazzy Star, Hugo Largo, Cowboy Junkies iniciais ou por Tim Buckley e tantos outros, o género de música que não apetece partilhar com mais ninguém. Tivesse o disco sido assinado pela autora um par de anos mais cedo e entraria, certamente, no grupo dos «Discos que nunca mais se esquecem».

E agora resta-me ouvir o posterior e também excelente «Rykestrasse 68».

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 20:08 link do post
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