Ricardo Rocha queixa-se de uma série de obstáculos técnicos da guitarra portuguesa, por ser «um instrumento extremamente limitado e cheio de falhas do ponto de vista técnico e dos sons que supostamente se querem ouvir mas que na prática não se conseguem ouvir porque não se conseguem fazer» (Público, de 20 de Julho). Não obstante, socorrendo-se da figura da heteronímia, cara a Fernando Pessoa, cria com notável engenho virtuosístico um quarteto de guitarras imaginário – segundo o autor, de impossível concretização prática imediata – que lhe permite aliviar as suas frustrações e superar as dificuldades levantadas pela execução do instrumento. Recuperando um conjunto de peças que tinha atirado para o fundo de uma gaveta, Ricardo Rocha contraria os seus justificados receios e grava Resplandecente, uma obra muito conseguida, de uma unidade espantosa, conciliando uma diversidade de estilos e idiomas musicais, atravessando os territórios do impressionismo, do romantismo e do minimalismo, onde sobressai o silêncio como elemento preponderante ou ponte de ligação entre sobreposições de escala e de padrões rítmicos e harmónicos, repetições à Steve Reich, escorreitos e tensos exercícios de convergência de «sonhos, cores, imagens e sensações» e minuciosas miniaturas de inegável valor expressivo.