Ontem não desperdicei a oportunidade de rever Opening Night, realizado em 1977 por John Cassavetes, um dos autores mais importantes do cinema independente (e do cinema em geral, obviamente). Convivendo naturalmente com o mundo do teatro, o filme de Cassavetes aborda de forma magistral alguns dos temos mais caros ao seu autor, tais como a complexa relação existente entre a atriz principal (fabulosa representação de Gena Rowlands) e a personagem que interpreta, ou a meditação fascinante sobre os seus medos, angústias e perturbações. Mas não se fica por aqui a obra do saudoso realizador norte-americano; Cassavetes explora e adensa o receio pela perda de quem tanto depende do fulgor físico, realça as emoções à flor da pele, desnuda as pequenas dores da alma, enfrenta os paradoxos existenciais sobre o envelhecimento. Mas, numa escala de valores minimamente séria, tão importante como os temas que se abordam é a linguagem (cinematográfica) que se utiliza para a sua divulgação. E neste domínio Cassavetes também não falha: a mise-en-scène é simples mas expressiva, mergulha nas ideias de forma cuidada mas incisiva e a câmara dialoga com as personagens de forma lúcida e por métodos singulares e inesperados. E se tudo o que já se disse espelha fielmente aquilo que o filme tem de muito bom, verdadeiramente inesquecível é a lição que o cineasta demonstra ter aprendido com o genial Ingmar Bergman: mostrar através do rosto aquilo que nos vai na alma (os famosos e fabulosos grandes planos). Contudo, numa época em que assistimos inertes à absoluta relativização dos valores culturais e ao definhamento desavergonhado do gosto comum, aposto que já (quase) ninguém quererá hoje em dia ver este filme.