a dignidade da diferença
04 de Abril de 2023

Tem um pouco da singularidade poética de Tim Buckley, Van Morrison, John Cale, Leonard Cohen, e muito da excêntrica intensidade de Mary Margaret O'Hara, embora não se pareça com nenhum deles. Criando um universo musical com arritmias e um olhar simultaneamente despojado, tradicional e assombradamente orquestral, Lisa O'Neill canta sobre as estrelas, os rios, as flores, os pássaros, a chuva e o vento; espalhando, em suma, imagens da natureza em catadupa. Vem da Irlanda, mas a sua voz parece de outro planeta...

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 23:45 link do post
10 de Julho de 2014

 

 

A estreia de Suzanne Vega, com o álbum homónimo de 1985, consiste numa combinação peculiar da estrutura elementar de uma folk nua e minimalista com a geometria, a clareza e a precisão microscópica das suas short stories, nas quais sobressai uma análise simultaneamente detalhada e concentrada da realidade. Solitude Standing e Days of Open Hand trazem a dinâmica e a energia pop para o corpo das canções. Em 1992, com o portentoso 99.9 F°- um dos raros álbuns verdadeiramente essenciais da música popular contemporânea -, Suzanne Vega, auxiliada pela produção cirúrgica de Mitchell Froom, enriquece a paleta sonora e amplia os seus horizontes musicais, coabitando no seu interior, entre outros, o universo estético de Leonard Cohen, Lou Reed, Laurie Anderson e Tom Waits. A matéria das canções estende-se e adquire uma maior nitidez e expressividade. Nine Objects of Desire evolui nesse sentido e dedica a mesma atenção ao vocabulário da canção. Songs in Red and Gray (de 2001) equilibra de forma notável a aparente contradição entre a crueza dos textos e melodias sedutoras. Em 2007, porém, a autora norte-americana dá um primeiro passo em falso com o pouco inspirado Beauty and Crime. Por sua vez, o recente e vibrante Tales From the Realm of the Queen of Pentacles recupera a vontade de experimentar textos e decompor intrincadas texturas melódicas e harmónicas, eliminando os infundados receios de esgotamento criativo determinados pelo álbum anterior. Esse último trabalho e uma actuação cheia de garra na noite fria do EDP Cool Jazz, em Oeiras - cuja tensão eléctrica encaixou naturalmente nas óptimas e concisas canções da autora norte-americana - vieram provar que ainda não escoou o seu prazo de validade.

15 de Setembro de 2013

 

 

Confesso que a música dos Everly Brothers nunca me agradou especialmente. Demasiado agarrada ao espírito da época, consistia numa preocupação excessiva com as harmonias vocais, amparadas em bonitas mas algo inócuas melodias e demasiado presas a um conceito estético despropositadamente pueril e juvenil, inconsistente e por desenvolver. Bonnie ‘Prince’ Billy e Dawn McCarthy – que criou, com Nils Frykdahl, os excelentes e praticamente desconhecidos Faun Fables –, recolhendo os ensinamentos da pop/folk profunda e clássica dos anos sessenta e setenta; a dos Jefferson Airplane, dos Steeleye Span e, especialmente, da trupe dos Fairport Convention (com Sandy Denny e Richard Thompson à cabeça), pegaram nas canções menos conhecidas que os Brothers criaram ou apenas interpretaram, e releram-nas sob uma nova perspetiva. Descobriram e associaram-lhe novos elementos sonoros, modificaram-lhe as arestas, pesaram e ampliaram-lhe o volume e desenvolveram a sua carga dramática, transformando quase milagrosamente as características exageradamente açucaradas da matriz original – indicada para duplas do género Simon & Garfunkel, uns anos antes de mudarem o curso da história da música pop, com as magníficos Bookends e Bridge Over Troubled Water –, num conjunto soberbo de peças musicais densas, elétricas, inesperadamente livres e amadurecidas. Ao disco chamaram-lhe apropriadamente What the Brothers Sang.

 

 

04 de Julho de 2013

 

 

A juventude de Marling ou a veterania de Parks. A instrumentação quase elementar da primeira ou o requinte orquestral e a maestria dos arranjos do segundo. A folk intensa e concisa de Laura Marling ou as sinfonias de bolso de Van Dyke Parks. Se a ideia parece consistir no confronto entre estes dois estilos de música aparentemente tão antagónicos, esse raciocínio está, porém, bem longe da verdade. Entre o percurso musical com origens na tradição folk, o crescimento precoce, a concisão, a clareza, a economia de meios, as emoções que jorram da matéria ficcional, o brio e a expressividade vocal de Laura Marling ou a sabedoria e a visão panorâmica, cinematográfica, majestosamente orquestral - na qual todas as peças se encaixam brilhantemente numa estrutura musical ilusoriamente fragmentada - do magnífico e injustamente pouco celebrado Van Dyke Parks, não é necessário optar: o melhor é escolher os dois. Escutem então (sem pausas) as suas mais recentes e meritórias gravações; o depuradíssimo e intenso Once I Was An Eagle de Laura Marling e o versátil e colorido Songs Cycle de Van Dyke Parks.

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 22:59 link do post
13 de Novembro de 2011

 

 

Laura Marling é, com apenas 21 anos de idade, uma das mais expressivas e talentosas songwriters da actualidade. Umbilicalmente ligada à cena nu-folk londrina – seja lá o que isso for –, Laura Marling possui, desde já, um domínio perfeito da estética folk, cuja formação musical se desenvolveu, segundo a própria, através da escuta persistente das colecções de discos que os pais detinham. Herdeira da melhor tradição folk dos anos 60 e 70 do século passado e sobretudo do génio emocional transcendental de Judde Sill e de Leonard Cohen, filtrado por micro-explosões eléctricas que, em regime de usufruto simultâneo, coabitam com suaves melodias de feição acústica esventradas pelo cinismo e pela mordacidade dos seus (quase todos) magníficos textos, Laura Marling confirma, depois do anterior e igualmente notável I Speak Because I Can, um talento precoce que constrói um dos mais pessoais, emocionais, inventivos e intensos percursos musicais da actualidade, assente no entendimento correcto do uso que deve dar à sua voz como elemento adaptável às necessidades básicas da canção, acompanhado pelas enxutas, certeiras, maleáveis, tensas e sujas orquestrações instrumentais que dedicam uma especial atenção ao espaço, ao volume e à tonalidade. Um talento precoce que contribui para a consagração merecida daquele que, como vimos sublinhando há vários meses, deverá consagrar-se como o ano musical das mulheres, na medida em que ainda temos para acrescentar o regresso de St. Vincent, a dose dupla de June Tabor (desta vez com a Oyster Band, num registo folk-rock que perdeu o acento tónico que Freedom and Rain pôs no punk mas é igualmente brilhante) e o novo trabalho da magnífica Shara Worden (My Brightest Diamond).

 

publicado por adignidadedadiferenca às 00:50 link do post
03 de Abril de 2011

 

Eis aquela que é, quanto a nós, a discografia essencial de June Tabor - e ainda ficam de fora, pelo menos, os excelentes Aqaba, No More to the Dance (Silly Sisters) e Apples -, a mais extraordinária cantora britânica da actualidade. Musical e geograficamente situada algures entre a folk clássica, a tradição europeia, o renascimento e a literatura medieval, June Tabor abraçou não raras vezes a pop e cantou os seus mais extraordinários autores, criou, com Maddy Prior, as notáveis Silly Sisters, aderiu episodicamente ao exuberante festim punk da Oyster Band e - não há bela sem senão - não se deu assim tão bem com o jazz. Deixa-nos uma obra valiosíssima, uma verdadeira quimera, cujo capítulo mais recente - o devastador Ashore - é uma das suas jóias mais preciosas. O universo de June Tabor é o de uma excelsa e tradicional contadora de histórias; não procurem aqui o último grito da moda, nem os sintomas da mais recente novidade, pois o que encontram é a intemporalidade de uma voz grave, densa, majestosa - ultimamente acompanhada por um rigoroso, expressivo e luminoso ensemble instrumental -, tão essencial como o ar que respiramos. Experimentem, depois de a escutar, passar sem esta música.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 16:37 link do post
01 de Novembro de 2010

 

E aqui começo uma nova rubrica intitulada “pequenas ficções musicais” dedicada, nesta primeira vez, à música sublime das Unthanks - todas as canções convocadas são do último e magnífico disco "Here's the Tender Coming" -, novo paradigma para a música folk britânica, da estirpe de gente ilustre como June Tabor ou Richard Thompson. Cumpre-se, essencialmente, duas funções: a de dar mais espaço à música que aprecio particularmente, assim como a de manter acesa a chama do blog, especialmente nestes momentos em que se torna tão difícil a gestão do tempo.

 

 

Sad February

 

Lucky Gilchrist

 

Annachie Gordon

 

Here's the Tender Coming

 

publicado por adignidadedadiferenca às 19:23 link do post
15 de Agosto de 2008

 

Faun Fables

 

Rectas e semi-rectas de folk contemporânea, arestas limadas por teatro pagão, música tribal, dramática e transparente. Tangentes à música do leste da europa aquecida pela etnia cigana e trespassada pela loucura visionária de uns quantos aventureiros das décadas de sessenta e setenta. Pelo menos, Tom Waits, Zappa e Beefheart (será, ou já estarei a ouvir vozes?). O regresso dos Hugo Largo e dos Jefferson Airplane devidamente triturados pela música erudita e de cabaret. Adições, subtrações. multiplicações e divisões feitas, o que resta?

 

Música inclassificável, diferente de tudo o que se ouve hoje em dia - e nem cheguei a falar da mise-en-scène espectral de Nico, nem do gelo trazido de «I want to see the bright lights tonight» - e, para a história, duas obras-primas e, para já, uma canção inadjectivável: Taki Pejzaz

 

 

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 01:26 link do post
05 de Agosto de 2008

  

Véranda (1990) - Riccardo Tesi/Patrick Vaillant

 

 

 

 

De Riccardo Tesi já conhecia o óptimo Il ballo della lepre, publicado sensivelmente na mesma altura (já tive o disco, mas juro-vos que não sei o que lhe fiz) e onde Tesi já explorava de forma personalizada e profunda as imensas potencialidades do acordeão – cada vez que o ouvia apetecia-me acabar de vez com todos os ranchos folclóricos deste país!

Mas foi em Véranda e com a cumplicidade de Patrick Vaillant e de outros músicos (Baniel Malavergne, Sandy Rivera e Michel Marre) que a arte de Tesi atingiu o seu cume. Não só pelo extraordinário virtuosismo técnico que o músico Toscano exibe como meio de expressão artística e nunca como vil demonstração exibicionista, mas, sobretudo, pela articulação notável entre a inspiração folk e tradicional de Riccardo Tesi e a subtil introdução de elementos jazzísticos, de música de câmara, algum rock ou música contemporânea de feição minimalista (Steve Reich, Wim Mertens) que conferem a esta música sublime um toque bem vincado de modernidade.

E, como se não fosse já suficiente, ainda adicionam os mais variadíssimos instrumentos – tuba, vibrafone, mandolim, trompete, percussões, etc  -, que, através da exploração das suas componentes harmónicas e tímbricas, estendem esta música para uma dimensão incomparável. Um disco belíssimo e discretamente inovador, cuja sinopse assenta bem na assombrosa Tricot Marin: música de autor, exuberantemente livre e abstracta, exibindo-se num plano estético superior, bem longe de quaisquer catalogações ou tentativas de formatação.

 

Tricot Marin

publicado por adignidadedadiferenca às 23:54 link do post
29 de Maio de 2008

I want to see the bright lights tonight - Richard and Linda Thompson (1974)

 

 

O mais perfeito e solitário dos discos que Richard Thompson gravou com a sua mulher Linda.

Melodias memoráveis e intemporais nas vozes sublimes de Linda (só comparável a Sandy Denny e June Tabor) e Richard Thompson desaguam fatalmente em canções fundas e sem remédio, atingindo em «Has he got a friend for me?»  e «The end of the rainbow» o limite suportável da tragédia humana.

Tanta dor e crueldade, aparentemente, parecem apenas destinadas a ouvidos tão habituados ao sofrimento que este já não lhes provoca qualquer tipo de reacção, não é assim? Errado, perfeitamente errado.

O milagre sonoro é de tal ordem que as canções, inequivocamente sombrias e devastadoras, surgem, num último fôlego, matizadas pela excelência da interpretação e pelo rigor musical que, servindo-se de uma paleta instrumental maioritariamente tradicional, encontra, de uma forma densa e penetrante, soluções ricas e inesperadas para todas as equações, recebendo, inesperadamente, uma vida nova e um colorido sonoro portentoso que as salva do abismo e nos convoca para mil e uma chamadas.

Obra-prima inclassificável.

 

 

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The end of the rainbow

 

the great valerio

 

withered and died

10 de Maio de 2008

Hedningarna (discografia de 1992 a 1994), os anos em que a Escandinávia tomou conta, musicalmente, do resto da Europa

 

Depois do(a)s Varttina chegou a vez de cumprirmos a promessa. Dos vizinhos do lado, veio uma ambição claramente mais futurista, acompanhada pela loucura da transgressão e da inovação.

Maquinaria electrónica, instrumentos criados no momento para dar corpo e resposta às ideias do grupo, que passavam por uma fase de constante ebulição.

E para o fim fica, talvez, o mais importante: O respeito (ainda) pela tradição, apesar do inacreditável carregamento explosivo e a certeza de termos sentido, pelo menos em «Kaksi!», o espírito de Jimi Hendrix a pairar sobre todas as músicas (e no concerto que deram em Algés, a espremer a gaita-de-foles de Anders Stake).

 

A tradição virada do avesso por uma atitude rock'n'roll - também lhe chamaram pós-punk - em comunhão perfeita com uma perspectiva de fim de milénio (que se aproximava, inevitavelmente).

 

Resta falar da extraordinária semelhança entre o conjunto de vozes femininas, verdadeiramente viciantes, e ainda a mesma celebração - quase como se se tratasse de um ritual -, que ambos os grupos sentiam pela música e pela vida.

Se foram concebidos na sua terra natal, tanto os álbuns das (ou dos) Varttina como os dos Hedningarna, atravessaram todas as fronteiras existentes na folk e deram expressão real ao conceito «música do mundo», que, a partir de então, nunca mais foi o mesmo.

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 00:12 link do post
03 de Maio de 2008

É aqui que eu venho encher os pulmões de ar puro quando estes já não aguentam o caos urbano naquele que é, para um ateu confesso, o único encontro possível com o divino.

 

 

 

O exemplo tanto podia vir de «A quiet eye», como de «Angel tiger»,  de «Rosa mundi», de «Against the streams» ou dessa imensa e definitiva caixa de 4 cds que tem por título «Always» e que, por entre inéditos e raridades, resume na perfeição toda a carreira da primeira dama da folk britânica. Esta é, contudo, uma definição demasiado redutora para a dona de uma voz prodigiosa que, como ninguém, parte da tradição para, apoiando-se apenas nas partículas que julga essenciais para desenhar uma melodia, nos dar uma visão universal e intemporal do silêncio que se ouve, respira e vem da natureza.

publicado por adignidadedadiferenca às 02:05 link do post
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