a dignidade da diferença
14 de Agosto de 2014

  

 

Ricardo Rocha queixa-se de uma série de obstáculos técnicos da guitarra portuguesa, por ser «um instrumento extremamente limitado e cheio de falhas do ponto de vista técnico e dos sons que supostamente se querem ouvir mas que na prática não se conseguem ouvir porque não se conseguem fazer» (Público, de 20 de Julho). Não obstante, socorrendo-se da figura da heteronímia, cara a Fernando Pessoa, cria com notável engenho virtuosístico um quarteto de guitarras imaginário – segundo o autor, de impossível concretização prática imediata – que lhe permite aliviar as suas frustrações e superar as dificuldades levantadas pela execução do instrumento. Recuperando um conjunto de peças que tinha atirado para o fundo de uma gaveta, Ricardo Rocha contraria os seus justificados receios e grava Resplandecente, uma obra muito conseguida, de uma unidade espantosa, conciliando uma diversidade de estilos e idiomas musicais, atravessando os territórios do impressionismo, do romantismo e do minimalismo, onde sobressai o silêncio como elemento preponderante ou ponte de ligação entre sobreposições de escala e de padrões rítmicos e harmónicos, repetições à Steve Reich, escorreitos e tensos exercícios de convergência de «sonhos, cores, imagens e sensações» e minuciosas miniaturas de inegável valor expressivo.

publicado por adignidadedadiferenca às 20:48 link do post
13 de Julho de 2011

 

 

Às vezes tenho ideias, felizes,

Ideias sùbitamente felizes, em ideias

E nas palavras em que naturalmente se despegam...

 

Depois de escrever, leio...

Porque escrevi isto?

Onde fui buscar isto?

De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...

Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta

Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...

 

Poesias de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa, engenheiro naval (por Glasgow) - estudou primeiro engenharia mecânica -, mas inactivo em Lisboa. Alto, magro, de cara rapada - como, aliás, Alberto Caeiro e Ricardo Reis - cabelo liso e monóculo. Segundo uma carta escrita por Fernando Pessoa e dirigida a Adolfo Casais Monteiro, Álvaro de Campos «escrevia razoàvelmente mas com lapsos como dizer "eu próprio" em vez de "eu mesmo", etc».

publicado por adignidadedadiferenca às 22:30 link do post
20 de Junho de 2010

 

Um texto de uma lucidez absolutamente notável. Para ler e pensar.

 

«Se há facto estranho e inexplicável é que uma criatura de inteligência e sensibilidade se mantenha sempre sentado sobre a mesma opinião, sempre coerente consigo próprio. A contínua transformação de tudo dá-se também no nosso corpo, e dá-se no nosso cérebro consequentemente. Como então, senão por doença, cair e reincidir na anormalidade de querer pensar hoje a mesma coisa que se pensou ontem, quando não só o cérebro de hoje já não é o de ontem, mas nem sequer o dia de hoje é o de ontem? Ser coerente é uma doença, um atavismo, talvez; data de antepassados animais em cujo estádio de evolução tal desgraça seria natural. A coerência, a convicção, a certeza são além disso, demonstrações evidentes — quantas vezes escusadas — de falta de educação. É uma falta de cortesia com os outros ser sempre o mesmo à vista deles; é maçá-los, apoquentá-los com a nossa falta de variedade.»

Fernando Pessoa em “Ideias Políticas”.

 

Roubado descaradamente d’aqui

 

publicado por adignidadedadiferenca às 13:16 link do post
17 de Junho de 2008

Nevoeiro

 

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,

Define com perfil e ser

Este fulgor baço da terra

Que é Portugal a entristecer -

Brilho sem luz e sem arder,

Como o que o fogo-fátuo encerra.

 

Ninguém sabe que coisa quer.

Ninguém conhece o que a alma tem,

Nem o que é mal nem o que é bem,

(Que ânsia distante perto chora?)

Tudo é incerto e derradeiro.

Tudo é disperso, nada é inteiro.

ó Portugal, hoje és nevoeiro...

 

É a hora!

 

(Poema de Fernando Pessoa, música de Amélia Muge do álbum «Todos os dias» editado em 1994)

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 22:06 link do post
10 de Junho de 2008

Agora que estão aí a chegar as eleições para as presidenciais americanas, só faria bem se algum dos candidatos dedicasse um pouco do seu tempo a ler a obra magistral de Walt Whitman, o poeta verdadeiramente apaixonado pela democracia.

Nascido em Long Island, em 1819, foi, sem qualquer dúvida, um dos mais originais e corajosos poetas de dimensão universal, possuidor de um sentido de grandeza e majestade, a par de um lirismo profundo, que lhe concederam uma vida com uma dimensão que muito poucos obtiveram.

 

Foi, além de notabilíssimo poeta, jornalista, tipógrafo e editor, conhecendo por dentro a guerra civil do seu país, impondo-se pela sua franqueza, frontalidade e radicalismo, sendo célebre o que dele próprio disse: não sou traduzível, nem fui domesticado!

Para a posteridade, deixou essa obra imensa, publicada em 1855 e que foi aumentando até morrer a 26 de Maio de 1889, a poesia de uma vida inteira «Leaves of grass» que no nosso país foi traduzida como «Folhas caídas» e se encontra editada pela Assírio & Alvim e pelo Círculo de Leitores.

A originalidade da sua escrita tinha os traços de uma linguagem coloquial que rompia com a tradição, possuindo  um aroma e uma sensibilidade desafiadoramente livre no verso escolhido.

Foi ele, inquestionavelmente o grande poeta da América, antes de tudo, pela sua profunda crença na liberdade. Como muitos já o disseram, tinha dentro de si todos os sonhos do mundo.

E, por fim, como português, não podia acabar sem referir a extrema admiração que o genial Fernando Pessoa, pela voz de Álvaro de Campos, sentia pelo poeta americano, bem expressa na magnífica «Saudação a Walt Whitman».

 

Celebro-me e canto-me,

E aquilo que assumo tu deves assumir,

Pois cada átomo que a mim pertence a ti pertence também.

 

Vagueio e convido a minha alma,

À vontade vagueio e inclino-me a observar a erva do Verão.

A minha língua, cada átomo do meu sangue, composto deste solo, deste ar,

Aqui nascido de pais aqui nascidos de outros pais aqui nascidos, e dos seus

            Pais também,

Eu, aos trinta e sete anos, de perfeita saúde começo,

Esperando que só a morte me faça parar.

 

Suspensos os credos e as escolas,

Retiro-me por certo tempo, deles saturado mas não esquecido,

Sou o porto do bem e do mal, e seja como for falo,

Natureza sem obstáculos com a sua energia original.

 

Excerto de «Canto de mim mesmo» traduzido por José Agostinho Baptista

 

Nunca posso ler os teus poemas a fio... Há ali sentir a mais...

Atravesso os teus versos como uma multidão aos encontrões

e cheira-me a suor, a óleos, a actividade humana e mecânica.

Nos teus poemas, a certa altura, não sei se leio ou se vivo,

Não sei se o meu lugar real é no mundo ou nos teus versos.

 

Excerto de «Saudação a Walt Whitman» de Álvaro de Campos

 

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