a dignidade da diferença
18 de Janeiro de 2015

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Na sequência dos trágicos acontecimentos de Paris, com a chacina no jornal satírico Charlie Hebdo, José Tolentino Mendonça escreveu na edição deste fim-de-semana do semanário Expresso, um dos mais notáveis, criativos, lúcidos e, para mim, inesperados textos que tive ocasião de ler a propósito dos limites que devem ou não ser impostos à liberdade de expressão. Indispensável para compreender a diferença essencial - e, nalguns casos, aprender a distinguir - entre criticar e proibir (ou reprovar) quem pensa diferente de nós: «O semanário “Charlie”, há que reconhecer”, pratica muitas vezes um humor exagerado e grotesco. Grande parte das imagens que produz são impublicáveis pelos jornais ditos de referência, pois criaria um motim entre os leitores. Contorna estimáveis convenções e estilhaça os limites do bom gosto. Mas a sua força vem precisamente de habitar essa incómoda e inapagável, feita de dissonância, de heterodoxia e inclusive de blasfémia, onde, há que dizê-lo também, a liberdade das sociedades e dos indivíduos se exprime.

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No seu ensaio sobre o riso, Henri Bergson explica isso bem. O riso é incompatível com a emoção, ele dirige-se antes à inteligência. Precisamos de conseguir separar ambas as coisas para colher o cómico da situação. E qual é a vantagem disso? (…) É finalmente conseguirmos perceber aquilo que em nós e nos outros é o alvo natural da sátira: a rigidez que nos captura quase sem darmos conta. O mais fácil de satirizar em nós é sempre o que nos torna surdos à realidade, prisioneiros da ficção de nós mesmos; é a nossa comédia de enganos, com os seus tiques e trejeitos, as suas atoardas que se pretendem o idioma da verdade; é o nosso caminho ostentado sem qualquer preocupação de contacto com os outros, que rapidamente se pontilha de automatismo e preconceito. Reconhecer o ridículo é a forma mais ágil de sair dele, mas essa não é uma decisão nem espontânea, nem indolor. O riso não é uma consolação, nem uma terapia fácil de seguir para ninguém.» Quanto a mim, não deixarei de reconhecer a importância e estarei sempre com quem, usando o riso sem limites, dedica o seu tempo a avisar-nos desses perigos. 

20 de Julho de 2014

 

 

Estreia esta semana The Immigrant - retrato de uma imigrante polaca que desembarca na Nova Iorque dos anos 20 do século XX, consumida por uma realidade bem longe do sonho americano que nos quiseram impingir -, o último e extraordinário filme do mais fascinante cineasta norte-americano da actualidade, James Gray. O filme revela as características já conhecidas do universo do autor - as personagens perturbadas, atormentadas e desesperadas, a exploração de um conceito muito peculiar de família - devidamente enquadradas por uma visão poética e emocional que, neste filme, atinge o cume do dramatismo, da culpa e da redenção. Uma visão comovente, mais contida, porventura, cujos protagonistas caminham, progressiva e paradoxalmente, à beira da explosão. Porém, não é apenas o filme que quero destacar. James Gray, na entrevista concedida ao semanário Expresso - conduzida por Francisco Ferreira -, deixou aos seus leitores ampla matéria para reflexão. Como esta ideia, por exemplo: «Eu sempre digo isto: temos que dar ao espectador o que ele precisa, não o que ele quer, porque dar-lhe o que ele quer é ser demagógico e assinar a maior das cobardias.» Um aviso que bem podia atingir, entre outros, os ideólogos da nossa televisão pública.

 

publicado por adignidadedadiferenca às 21:58 link do post
29 de Março de 2014

robsonceron.blogspot.com 

A propósito das reformas estruturais implementadas pelos nossos governantes: Segundo José Félix Ribeiro, economista e ex-subdirector do Departamento de Prospectiva e Planeamento, numa entrevista dada ao semanário Expresso de 22 de Março, «estão a ser utilizadas por marxista de direita, que acreditam que a luta de classes é o motor da história só que desta vez o proletariado é que é o péssimo».

publicado por adignidadedadiferenca às 20:14 link do post
17 de Fevereiro de 2013

 

A arte da manipulação das imagens, tão bem feito que até parecem dois...

 

Juro-vos que é verdade. Intitulada Mazgani – Músico edita novo disco produzido por PJ Harvey, uma pequena notícia divulgada neste sábado pelo suplemento Atual, do semanário Expresso, começa desta forma: «Produzido por John Parish (mais conhecida por PJ Harvey)». Apetece mesmo citar Luís de Macedo no magnífico Cansaço – imortalizado por Amália: «Tudo o que faço ou não faço / outros fizeram assim / daí este meu cansaço / de sentir que quanto faço / não é feito só por mim»…

 

Uma das mais célebres aparições de John Parish... 

publicado por adignidadedadiferenca às 19:38 link do post
06 de Outubro de 2011

 

 

Parece que os nossos governantes já terão decidido a privatização irreversível da RTP.  Será um dano incalculável a inexistência de um canal público de televisão. Devíamos estar a discutir a qualidade do serviço público que a televisão deveria prestar e não a sua existência. Como claramente referiu António Pedro Vasconcelos, comparado a situação à que se vive na Justiça «Não há nenhum português que não se queixe da justiça mas nenhum diz que prefere as milícias privadas». Depois de se saber aquilo que vão fazer com a Cinemateca Portuguesa - programação condicionada a critérios de bilheteira e passando pelo crivo do Secretário de Estado da Cultura -, iremos assistir ao prolongamento dos disparates culturais típicos da cegueira e da ignorância neo-liberal, cuja doutrina tem sido a bandeira deste Governo. Mas continuemos, a propósito, com APV, que é dos poucos que tem autoridade para falar do assunto, neste pequeno excerto da óptima entrevista que deu ao semanário Expresso: «Sabes que se diz que o cinema é a memória e a televisão é o esquecimento. Dizia o Fellini quando fez o “Ginger e Fred”. Ele sabia a televisão que vinha aí, uma torneira de deitar imagens. E o que ninguém diz é que a democracia faliu. Porque é que é um crime de lesa-pátria deixar de exigir a melhoria da televisão e rádio públicas? (…) Podes criticar muito a televisão pública mas é a única que não tem telenovelas. Que tem uma programação vertical, que tem um telejornal que impede os outros de serem uma vergonha. Como dizia o homem do Channel 4, a BBC obriga-nos a ser melhores. Onde é que aparecem todos os grandes humoristas portugueses? Na RTP. Estou longe de achar que o “Prós e Contras” é o melhor programa do mundo, mas é o único onde ainda podes discutir alguma coisa. É na RTP que podes ver documentários. Os portugueses vêem cinema três horas e meia por ano e vêem 3 horas e meia por dia de televisão. A bandalheira começou com o “Big Brother”, que deu origem aos noticiários de hora e meia. Noticiários sob forma de folhetim. Para que serve um telejornal numa privada? Não é para informar. Serve para fixar o espectador ao prime-time e para marcar a agenda política.»

26 de Outubro de 2010

 

 

O confronto ideológico não resolve actualmente muitos problemas, sobretudo porque assenta em meias verdades e cada uma das partes se contenta em criticar os pontos de vista da outra, prejudicando a muito mais necessária procura de uma solução. Mas será que não serve para absolutamente nada? Talvez não. Vejamos pois o caso destes dois cronistas do semanário Expresso e o teor das suas crónicas do passado fim-de-semana.

Daniel Oliveira escreve «Agora sim, vamos poder ver as maravilhas do Estado Mínimo que nos andam a vender há anos. Quando faltarem polícias na rua, não resmungue. Quando não houver meios para combater os fogos, não se indigne. Quando as escolas e creches fecharem, as universidades se transformarem em depósitos ainda mais inúteis e não houver gente qualificada para trabalhar em lado nenhum, sorria. Quando fecharem os centros de saúde e comprar medicamentos para ficar vivo for um luxo, não se apoquente. Morra sabendo que o Estado sempre foi o culpado de todos os nossos males. E maravilhe-se com a sua elegância depois de uma boa dieta. O que me espanta, o que sempre me espantou, é haver tantos, entre os que devem à maternidade pública o seu nascimento seguro, à escola pública quase tudo o que sabem, à universidade pública a sua ascensão social e cultural, ao Estado a sua segurança e ao hospital público a sua sobrevivência, a pedirem o seu emagrecimento. Uns são apenas egoístas: garantida que está a sua condição, os outros que façam pela vida. Outros são só parvos. Esses vão ver agora como elas mordem.»

Daniel Oliveira parece estar cheio de razão. Contudo, limitou-se a focar os aspectos positivos do Estado social. Esquece-se de explicar como é que chegámos onde chegámos, onde é que se arranja dinheiro para os gastos excessivos da Administração Pública, quando estamos à beira da bancarrota. E já nem falo dos contratos ruinosos para o Estado que os nossos governantes têm celebrado, nem a péssima gestão nas parcerias público-privadas. Não será melhor repensarmos o Estado social para não perdermos tudo o que de bom conquistámos? Será que Daniel Oliveira não compreende que a falência do Estado-providência não só é financeira, como ainda está em causa o próprio paradigma de intervenção social, nomeadamente após a derrocada dos modelos conhecidos?

 

 

Marcado por uma fortíssima tendência liberal, Henrique Raposo sublinha «Sim, os cortes na função pública serão injustos para muita gente. Sim, muitos funcionários públicos, do polícia ao médico, não mereciam esta sorte. Mas este corte cego apareceu no horizonte, porque nunca houve coragem para separar o trigo do joio. Ou seja, os ministérios nunca separaram os “indispensáveis” dos “dispensáveis”. E este é o acto político que está por realizar: para protegermos os funcionários públicos indispensáveis e os serviços nucleares, nós temos de dispensar os funcionários-que-estão-a-mais e fechar os serviços-que-não-passam-de-tachos. Em 2011, o polícia, o enfermeiro, o médico e o funcionário dos impostos serão injustamente penalizados, porque os políticos não tiveram coragem para dispensar os milhares de funcionários-que-estão-a-mais. (…) Se esta reestruturação política do Estado não for feita, seguir-se-ão novos cortes cegos, e os justos pagarão pelos pecadores. (…) Num Estado mais seco, o trigo não é confundido com o joio e, por isso, é mais protegido e mais acarinhado financeiramente. Em segundo lugar, a requalificação do Estado é a melhor forma de protegermos a tal justiça social.»

A posição de Henrique Raposo é francamente defensável e, confesso, estou disposto a partilhá-la, mas só até certo ponto. Pois não estará o cronista a esquecer-se que a liberdade individual e a concorrência económica não conduziram propriamente ao melhor dos mundos, mas sim a um mundo de tremendas injustiças, designadamente as provocadas por uma descontrolada exploração social que se traduziu numa degradante e revoltante condição humana onde a dignidade de uma relevante massa humana desceu a níveis insuportáveis? 

29 de Agosto de 2010

 

O grupo parlamentar do CDS quis saber quanto gasta o nosso Governo, anualmente, com as rendas e questionou todos os ministérios que contratos de arrendamento – e quais os valores – foram celebrados nos últimos cinco anos. Nem todos responderam, mas sobre o que se sabe vale a pena reflectir.

O semanário Expresso fez, na edição deste fim-de-semana, uma análise aos gastos do Estado com o arrendamento de imóveis que vendeu a si próprio (!). Para se compreender o estado de completo desnorte a que os nossos governantes chegaram nestas questões de «engenharia financeira», veja-se estes casos exemplares que o semanário conta:

 

 

«Está nesta situação, por exemplo, o edifício da Avenida da República que alberga a secretaria-geral do Ministério da Economia. O imóvel foi vendido em 2008, por €10,7 milhões, à Estamo. Os serviços que lá estavam lá continuaram e, segundo explicou ao Expresso o gabinete de imprensa do Ministério da Economia, está atualmente em negociação um contrato de arrendamento, pelo valor mensal de 69.400 euros (832.800 euros por ano). Feitas as contas, Albino Bessa nota que é um excelente negócio para o comprador: o investimento 10,7 milhões está pago ao fim de doze anos. No Ministério da Agricultura há três casos parecidos: dois imóveis vendidos na anterior legislatura por 5 milhões, e outro por 7,4 milhões, todos comprados pela Estamo. Pelos primeiros, o ministério ficou a pagar uma renda de €33 mil, pelo último paga quase €50 mil. As contas são parecidas: ao fim de doze anos a Estamo recebeu em rendas o valor pago.»

 

 

Ou seja, dentro de doze anos, o Estado gastou o que ganhou e a partir daí, as contas parecem-me fáceis de fazer, o Estado terá mais uma despesa a acrescentar a tantas outras. Trata-se, como é evidente, de mais um caso demonstrativo das vistas curtas e do pensamento a curto prazo de quem nos governa. A factura todos sabemos quem a pagará…

 

publicado por adignidadedadiferenca às 19:31 link do post
27 de Julho de 2008

 

O assunto não é vital para as nossas vidas nem precisamos dele como do pão para a boca, mas depois da triste figura que a revista Visão fez na entrevista com Lou Reed, agora é a vez do semanário Expresso dar um pontapé na música portuguesa.

Na página 16 do primeiro caderno do jornal, no espaço dedicado ao Exame Prévio, surge uma pequena coluna intitulada «De alto a baixo» e que vou transcrever na íntegra:

 

 

Um álbum de Sérgio Godinho

“Um disco verdadeiramente indispensável para ouvir em tempo de férias (ou não)”.Pedro Pyrrait escrevia sobre o segundo álbum de Sérgio Godinho, ‘Os sobreviventes’. (!!!) O primeiro ‘Pré-histórias’, (!!!) “foi retirado da venda pública”. O crítico chamava “a maior atenção para as três mais belas composições deste álbum: “Barnabé”, “Pode alguém ser quem não é” e “A noite passada”, onde a pungente interpretação vocal e a viola dolente transportam as palavras de Sérgio do Douro ao Tejo (‘a noite passada acordei com o teu beijo, descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo’)”. (a isto só posso chamar crítica musical embalsamada!) Nada saiu.

 

 

E ainda bem. Até hoje é consensual dizer-se que Cantigas do Maio de José Afonso, Mudam-se os tempos mudam-se as vontades de José Mário Branco e Os sobreviventes de Sérgio Godinho (todos gravados em 1971, embora o último só tenha saído no ano seguinte) foram os álbuns fundadores de uma nova e exigente forma de abordar a música popular portuguesa, dando tanta importância à qualidade dos textos como à substância musical. Há, até, quem, ainda hoje, persista no equívoco de lhes querer juntar o disco de Adriano Correia de Oliveira Gente de aqui e de agora, mas esse só com muito boa vontade ficará registado no que a música portuguesa nos ofereceu de memorável.

Ficámos agora a saber que, afinal, nos andaram a trocar as voltas todas. Afinal SG já se tinha adiantado aos colegas e assinado, nos seus antípodas, Pré-histórias (em que ano, já agora, terá sido editado?) revelando, mais tarde, uma estranha e bizarra opção pela reedição do disco quase imediatamente a seguir a Os sobreviventes.

Ainda por cima o jornal está cheio de gente competente na área da crítica musical. O que eles devem ter gozado...

De repente, não sei porquê, apeteceu-me ouvir o Barnabé.

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 01:59 link do post
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