A propósito da quarta edição do Estoril Film Festival. A decorrer entre os dias 5 e 14 deste mês, por onde passou o magnífico documentário do romeno Andrei Ujica The Autobiography of Nicolae Ceausescu - retrato cru e realista do regime político do ditador, assente na impressionante força narrativa das imagens -, não posso deixar passar a oportunidade para aconselhar o igualmente magnífico livro de Norman Manea O Regresso do Hooligan, publicado no nosso país pelas Edições ASA, do grupo LEYA, em que o regresso do autor ao seu país natal provoca uma descrição torrencial de um caderno de recordações: a infância interrompida pela deportação para um campo de concentração, o entusiasmo pelo comunismo, do qual se foi distanciando, a vida limitada pela ditadura de Ceausescu, a literatura e as dificuldades vividas no meio intelectual e, por fim, a opção final pelo exílio político. Somos então cúmplices do olhar denso e da escrita admirável do escritor sobre um pesadelo vivido num território de sombras, um retrato profundamente humano e com uma carga emocional assinalável, crítica certeira, filosófica e história, ao totalitarismo e aos imensos males que gerou. Uma obra-prima da literatura, testemunho impressionante de quem procurou ser livre num mundo de asfixia.