Somos um país onde se destruiu a indústria, a pesca e a agricultura, a troco dos imensos fundos comunitários que, em vez de servir para o investimento produtivo, foram desviados para a construção civil descontrolada e para cobrir o território com quilómetros e quilómetros de auto-estradas - algumas delas com percursos paralelos -, um país onde os negócios do Estado com os privados e as respectivas parcerias deviam, pelos prejuízos pornográficos que intencionalmente têm causado, ser objecto de responsabilidade política e criminal; um país onde, em matéria desportiva, depois de a justiça, bem ou mal, ter ilibado os principais suspeitos do caso «Apito Dourado», jornalistas, adeptos e dirigentes com responsabilidades decidem fazer justiça no «YouTube», numa atitude típica das sociedades primitivas, um país onde aqueles protagonistas que tanto mal lhe têm feito continuam a emitir opiniões doutrinárias para ultrapassar a crise com os mesmos argumentos poeirentos de sempre, já gastos de tão patéticos que são: corte nos salários, sacrifícios para os trabalhadores, os pensionistas, os desempregados, os agricultores, etc, etc - como se fosse por culpa deles que o despesismo do Estado chegou a este ponto. Um país onde as alternativas políticas, à esquerda e mais à direita só têm utilidade no banco da oposição, pois já vimos até onde pode ir o radicalismo, o fanatismo e a paranóia dos esquerdistas, dos comunistas e da direita mais incisiva, se um dia lhes coubesse o governo da nação. Enfim, um país onde o jornalismo caiu até chegar a um nível de vão de escada, mas em que, ainda assim, há, felizmente, quem escreva direito nas páginas dos jornais, como foi o caso de Henrique Monteiro no magnífico artigo que assinou no Expresso da semana passada, do qual destaco as seguintes passagens:
«A pré-campanha confirma que a estratégia de Sócrates se baseia numa ideia simples: estamos perante uma guerra terrível! De um lado, os defensores do Estado social; do outro, os seus exterminadores. Sócrates está, como sempre, com os bons. A narrativa simplista, porém, destrói-se com memória. (…) A situação a que chegámos, além do muito que tem a ver com a crise internacional, é fruto dos nossos erros estruturais, todos eles construídos, instigados ou permitidos por PS ou PSD. É por isso que, de um modo ou outro, já todos prevíamos as medidas que a EU e o FMI agora nos impõem. (…) Mas os últimos seis anos vincaram fortemente o rumo que até aqui nos conduziu. Somos mais do que nunca uma sociedade em crise, fragmentada, descrente, que assistiu a demasiadas faltas de vergonha. Hoje, pensionistas, trabalhadores, pequenos empresários e agricultores vêem-se obrigados a ter de pagar o dinheiro que o Governo desperdiçou. Mas não foi com pensionistas ou trabalhadores que houve derrapagens e se cometeram excessos. Foram, sim, estradas inúteis, projectos inúteis, consultadorias inúteis, propaganda inútil e boys inúteis que deram cabo do país. (…) Por muito que agitem os fantasmas do neoliberalismo, o que realmente apavora é o apego ao poder de quem nada aprendeu com a crise; de quem todos acusa e se diz vítima inocente após seis anos em que governou como quis. Por mim, bem podem gritar que vêm aí os lobos. Lobos foram eles.»
Ou seja, se já é difícil explicar o voto alternativo – que parece, mentalmente, existir apenas na cabeça dos muito crédulos -, o voto insistente no actual primeiro-ministro já vai muito para lá do humanamente explicável, só o autismo e a total irresponsabilidade parece justificar nova eleição de quem perdeu toda a legitimidade para governar.