a dignidade da diferença
10 de Fevereiro de 2016

 

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«O que é notável em “Os Anéis de Saturno” e em “Os Emigrantes” é a artificialidade reticente da narração de Sebald, através da qual os factos são recolhidos no mundo real e transformados em ficção. Isto é o oposto da banal leveza “faccional” de escritores como Julian Barnes e Umberto Eco, que pegam nos factos e desestabilizam-nos superficialmente dentro da ficção, que os agitam um pouco, mas cujas obras são, na verdade, um tributo à religião dos factos. A crença de escritores como estes na ficção não é suficientemente profunda para que abandonem o mundo real, brincam com a exatidão, vivem mesmo obcecados com a exactidão e a inexactidão, porque, para estes escritores, até mesmo os factos imprecisos são dotados de uma electricidade empírica, dado que nos despertam uma maior avidez de informação. Esta neurose informativa torna as suas ficções ruidosamente inofensivas. Para estes escritores, os factos são um desporto, acessórios semióticos e são, em última análise, de fácil interpretação. No entanto, para Sebald, os factos são indecifráveis, logo, trágicos. Sebald funciona de forma exactamente oposta à de Barnes ou Eco. Ainda que estes livros profundamente elegíacos sejam feitos das cinzas do mundo real, Sebald transforma os factos em ficção entrelaçando-os tão profundamente nas suas formas narrativas que nos dá a impressão de nunca terem pertencido à vida real e de apenas na prosa de Sebald terem encontrado a sua verdadeira existência. É este o movimento de qualquer ficção poderosa, por muito realista que seja: inserido na ficção, o mundo real ganha contornos mais fortes, mais ásperos, porque recebe um padrão intrincado que não existe na vida real. Na obra de Sebald os factos não parecem apenas ficção, tornam-se ficção, embora não deixem de ser reais e autênticos.»

James Wood, in A Herança Perdida

24 de Maio de 2015

 

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«As possibilidades científicas modernas alteraram profundamente o curso da vida humana. As pessoas vivem mais e melhor do que em qualquer outro período da História. Mas os avanços científicos transformaram os processos de envelhecer e morrer em experiências médicas, questões a serem geridas por profissionais de saúde. E nós, no meio médico, demos assustadoramente provas de não estarmos preparados para isso. Esta realidade tem estado, em grande parte, escondida, uma vez que as fases finais da vida são cada vez menos familiares para as pessoas. (…) A morte, como é óbvio, não é um fracasso. A morte é normal. A morte pode ser o inimigo, mas é também a ordem natural das coisas. (…) Não é preciso passar muito tempo com pessoas idosas ou doentes em fase terminal para ter a noção da quantidade de vezes que a Medicina não consegue socorrer as pessoas que supostamente deveria ajudar. Os derradeiros dias da nossa vida são ocupados com tratamentos que nos baralham o cérebro e sugam o nosso corpo até ao tutano, em busca de uma ínfima hipótese de obter um resultado benéfico. São passados em instituições – casas de repouso e unidades de Cuidados Intensivos -, onde rotinas rígidas e impessoais nos afastam de todas as coisas que são importantes para nós na vida. A nossa relutância em analisar honestamente a experiência do envelhecimento e morte agravou o mal que infligimos às pessoas e negou-lhes os confortos básicos de que mais necessitam. (…) Há quem ficará assustado com a ideia de um médico escrever sobre a inevitabilidade do declínio e morte. Para muitas pessoas, este tipo de conversa, por mais cuidado que se tenha a enquadrá-la, evoca o espectro de uma sociedade a preparar-se para sacrificar os seus doentes e velhos. Mas, e se (…) já estiverem a ser sacrificados, já forem vítimas da nossa recusa em aceitar a inexorabilidade do ciclo da vida?»

Atul Gawande, Introdução a Being Mortal.

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