Almas Perversas (Scarlet Street), estreado em 28 de Dezembro de 1945, é um remake do magnífico La Chienne, de Jean Renoir. Saiu finalmente em DVD (a boa notícia) numa cópia sofrível (não há bela sem senão). Nele se conta a história de Christopher Cross (interpretado pelo genial Edward G. Robinson), protagonista de uma vida banal na qual transporta o ónus de um casamento infeliz. Mas tudo irá mudar quando conhece Kitty (interpretada por Joan Bennett, fabulosa na densidade que transmite à personagem e na ideia de mal que lhe consegue associar), com quem irá ter uma aventura que o conduzirá ao abismo. Pintor com talento, Cross descobre que Kitty (influenciada por Johnny, o amante) se aproveita dos seus quadros e os vende como se as obras fossem da autoria dela. Porém, crédulo, acredita que o seu amor é correspondido e permite que Kitty goze os louros da fama conquistada, até que perde completamente o controlo quando o mundo desaba à sua volta ao descobrir a traição de Kitty e a paixão desta por Johnny.
Se Jean Renoir aproveita La Chienne para ridicularizar instituições, através de uma análise anárquica e destrutiva sobre as ideias de justiça, trabalho, família ou casamento, Fritz Lang explora assombrosamente o abismo que vai consumir Christopher Cross, abalando irreversivelmente a sua estrutura moral e a sua dignidade enquanto pessoa, e daí constrói, como acertadamente referiu João Bénard da Costa, uma avassaladora meditação moral sobre a solidão, o medo e a culpa, assinando uma das suas obras mais pessoais. Atormentado pelo diálogo Kitty-Johnny, possuído pelo ciúme e pelo desejo de vingança, Cross é atraído por uma força destrutiva que o transforma no assassino de Kitty e no responsável pelo enforcamento de Johnny (suprema perversidade e inquietante ambiguidade de Lang, ao conseguir que ninguém sinta remorsos pela execução de um inocente). Mas a dupla morte de Kitty e de Johnny não sacia o sofrimento de Chris Cross, e o filme termina com a impotente angústia do protagonista; Cross jamais conseguirá calar as vozes do par naquele diálogo que tanto o atormenta.