Até agora, a criação em exclusivo de conteúdos de interesse público não é prioridade, porque a RTP segue sistematicamente a estratégia de obtenção do máximo de audiência com o mínimo de serviço público, nomeadamente para beneficiar com 20 % ou 25 % de share a propaganda do governo que estiver e a estratégia comercial. Isso deve-se à própria estrutura institucional e aos vícios históricos adquiridos e até aos interesses de quem encomenda, faz e apresenta programas. O orçamento do operador público deveria em grande medida ser destinado aos conteúdos, o que hoje não sucede (apenas 36,5 % dos custos operacionais em 2009). E o investimento devia dar prioridade aos programas com valor acrescentado, quer para a sua estreia em antena, quer para a sua repetição posterior, edição em DVD, passagem em escolas, etc. Que programas deve um serviço público fazer? Sem se defender uma servidão ao trinómio educar, informar, entreter, dado que essas três funções hoje se misturam em muitos programas e já não se justifica o paternalismo do Estado nestas matérias, parece razoável que o serviço público devesse despender o máximo de recursos em programas que trouxessem valor acrescentado aos espectadores, pela informação, pela formação e porque o fazem ajudando a passar o tempo. Num modelo amplo de serviço público, este não necessita de prescindir do entretenimento.
Mas, a manter-se, devem ser tomadas as máximas cautelas, pois o dinheiro público não deve ser desperdiçado em conteúdos que sejam proporcionados noutros canais e que não tenham valor acrescentado. Na área do entretenimento, há programas que os operadores privados não estão dispostos a transmitir, em geral por recearem más audiências, mas também porque não sentem vocação. Não cabe aqui imaginar as propostas que se poderiam fazer, apenas comprovar que, no geral, o entretenimento da RTP não se distingue do restante (quando não é pior), pelo que é uma das áreas a precisar de mais trabalho de reflexão e reforma. Deveria ser atribuída prioridade aos conteúdos documentais, que são hoje uma expressão essencial da comunicação audiovisual; à ficção histórica e literária; à ficção de temas atuais; a programas com mais-valia de inovação temática e estética; à reportagem em profundidade; à música popular e erudita sem lugar noutros canais; ao cinema que os outros canais não divulgam; em programas em ligação com a sociedade civil; ao debate público desinteressado (e não ao serviço da agenda governamental).»
Eduardo Cintra Torres, A Televisão e o Serviço Público