a dignidade da diferença
27 de Abril de 2016

 

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Samuel Asch, estudante universitário, desiste, após ser abandonado pela namorada, da sua pesquisa universitária – uma tese sobre a evolução da figura de Jesus na perspectiva dos judeus. Sem casa nem emprego, o protagonista do romance aceita o convite para cuidar de Gershom Wald, um septuagenário inválido, numa casa partilhada com Atalia Abravanel, uma mulher ambígua e estranha, mas plena de sensualidade. O interesse de Asch por Atalia e a companhia do velho Gershom Wald são o pretexto para a introdução de uma série de querelas filosóficas e religiosas ou revelações históricas sobre o processo de formação e transformação de Israel: a sua evolução, os conflitos, a violência e o reflexo das cicatrizes do passado; culminando numa interpretação muito peculiar que subverte a imagem do Judas que conhecemos da Bíblia, apresentando-o como o mais leal dos discípulos. Movimentando-se com desenvoltura entre o romance e o ensaio, num ritmo seco e cadenciado, a prosa áspera do escritor israelita, feita sobretudo de observação e pensamento, aperfeiçoada por uma escrita simultaneamente fina e descarnada que a sua vasta experiência lhe confere (texto depurado, quase só osso), desagua numa magnífica, erudita - pois também se aprende neste livro sobre história, política ou religião - e provocante obra sobre a condição humana, especialmente sobre a condição de ser judeu.

publicado por adignidadedadiferenca às 22:34 link do post
07 de Abril de 2016

 

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«O pai de Atalia sonhava que judeus e árabes se amariam desde que a incompreensão existente entre eles desaparecesse. Mas enganou-se. Entre judeus e árabes nunca existiu incompreensão. Pelo contrário. Há dezenas de anos que entre ambos existe um entendimento absoluto e total: os árabes naturais desta terra estão ligados a ela porque é a única que têm, não têm outra, e nós também estamos ligados a ela pela mesma razão. Eles sabem que nós nunca desistiremos dela e nós sabemos que eles também nunca desistirão dela. Esse entendimento mútuo é perfeitamente claro. Não existe nem nunca existiu incompreensão. O pai de Atalia era daquelas pessoas que acham que todos os conflitos no mundo se resumem a equívocos: com uma pequena dose de aconselhamento familiar, um pouquinho de terapia de grupo, uma gotinha ou duas de boa vontade – tornamo-nos imediatamente irmãos de coração e alma e a disputa cessa. Ele acreditava que bastava que os elementos em conflito se conhecessem para que se estimassem. (…) Mas eu digo-lhe, meu caro, que dois homens que amam a mesma mulher, dois povos que reivindicam a mesma terra, por muitos rios de café que bebam, esses rios não apagarão o ódio, as muitas águas não o extinguirão. E digo-lhe ainda, apesar de tudo o que lhe disse antes, que abençoados sejam os que têm sonhos, e maldito aquele que lhes abre os olhos. Pois ainda que os sonhadores não nos salvem, nem eles nem os seus discípulos, a verdade é que sem sonhos e sem sonhadores a maldição que sobre nós pesa será sete vezes maior. Graças aos sonhadores talvez nós, os lúcidos, sejamos um pouco menos empedernidos e desesperados do que seríamos sem eles.»

Amos Oz, in Judas

06 de Abril de 2014

Um livro indispensável para se aprender a usar correctamente a nossa língua materna, enquanto «organismo vivo em permanente evolução», a qual, segundo as autoras, é encarada nesta obra de duas perspectivas distintas, mas que se completam: como meio de comunicaçao e como objecto de estudo. Determinante para quem pretende desenvolver a clareza de discurso e de raciocínio, trata-se de um trabalho especializado, embora acessível, que se destina sobretudo a cidadãos e muito pouco a meros consumidores.

 

 

«Obrigatório é conhecer o funcionamento da língua, suas regras e excepções, para não se cair no ridículo de dizer e escrever «as bolsas caiem por causa da guerra» ou «hádem fazer o que for necessário para resolver a crise»; «tolerável» pode ser a opção pelo género masculino de personagem, «Rogério Samora representou bem o personagem»; de «emprego facultativo» pode ser a escolha entre estadia e estada, seja em relação a pessoas, seja em relação a navios; «grosseiro» é confundir adesão com aderência, ir ao encontro de com ir de encontro a, preferir massivo a maciço; «inadmissível» é que «hajam tantas pessoas a maltratar a sintaxe do verbo haver». A aprendizagem da língua materna não se reduz à simples aquisição de conhecimentos, pois é factor indispensável para a formação de uma personalidade intelectual, social e cultural, capaz de aprender, de intervir socialmente, de evoluir linguisticamente e de se adaptar a todas as situações de comunicação. Sendo a língua materna simultaneamente objecto e instrumento de aprendizagem e meio de acesso a múltiplos saberes, o domínio que dela se possa ter condiciona o êxito individual. Aprender a falar e a escrever é aprender a comportar-se como ser humano. É um meio para aceder à plena cidadania. Falar não é só saber articular os sons. É saber organizar e exprimir com clareza o pensamento. Escrever é uma técnica que evolui e se consolida com a prática continuada. É um facto: prendemos a falar, falando e a escrever, escrevendo. E aprendemos a falar e a escrever, lendo e comunicando.»

Edite Estrela, Maria Almira Soares e Maria José Leitão, Saber Escrever Saber Falar.

22 de Dezembro de 2013

 

«Mas reconhecer assim o valor ontológico da estética é, ao mesmo tempo, apreender o seu alcance imediatamente cognitivo e normativo, e compreender que um dos aspectos maiores dos problemas civilizacionais que encontramos na viragem presente da nossa sociedade, que é também o momento em que esta tende a impor-se como referência e como norma planetária, reside na separação que nela se operou entre as dimensões estética, cognitiva e normativa do agir existencial, que se confunde com o modo de ser no mundo. Separado da vida comum e das suas exigências, dos seus fins, da sua vontade de ser, compartimentada na arte (da qual o revestimento estético de construções funcionais, a que o arquitecto procede, não é mais que um momento particular), a produção das formas, a busca expressiva da “beleza”, tornou-se, mais que qualquer outra produção, uma produção arbitrária, quando justamente devia ser o critério último do valor ontológico da nossa vida, sobretudo colectiva. E como a arquitectura, de todas as artes, é a que permanece ligada de mais perto à forma visível que a nossa acção colectiva toma no mundo, uma vez que continua a ser a que adere mais à técnica compreendida como preensão material exercida sobre o mundo e sobre nós próprios, uma vez que, enfim, é aquela em que a exigência da função que cada parte assume na vida do todo se exprime da maneira mais visível, poderíamos dizer que se trata para nós de reinventar, de redescobrir, de reassumir na arquitectura, normas, valores, finalidades que possam servir de critérios à sociedade.»

Michel Freitag, Arquitectura e Sociedade

10 de Novembro de 2011

 

 

«Embora existam razões para pensar que matar um ser consciente de si geralmente é pior do que matar outro tipo de ser, a maior parte dessas razões é favorável, e não adversa, à eutanásia, especialmente no caso da eutanásia voluntária. Ainda que este resultado possa parecer surpreendente à primeira vista, na verdade limita-se a reflectir o facto de que aquilo que os seres conscientes de si têm de especial é o facto de poderem saber que existem ao longo do tempo e que, caso não morram, continuarão a existir. Geralmente esta continuação da existência é intensamente desejada. No entanto, quando a existência futura expectável deixa de ser desejada, o desejo de morrer pode ocupar o lugar do desejo normal de viver, invertendo as razões para não matar que se baseiam no desejo de viver. Deste modo, pode-se sustentar que a defesa da eutanásia voluntária é muito mais forte do que a defesa da eutanásia não voluntária.»

Peter Singer in Escritos Sobre Uma Vida Ética, Publicações Dom Quixote. Tradução de Pedro Galvão, Maria Teresa Castanheira e Diogo Fernandes.

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