A alteração das circunstâncias no direito português (art.º 437.º, C. Civil)
A doutrina tem estudado a alteração das circunstâncias iniciais em sede de direito das obrigações, porém, a matéria estende-se a todo o direito civil. O Código Civil contém uma norma que rege a alteração das circunstâncias em momento posterior à celebração do contrato, o art.º 437.º, enquanto a percepção deficiente das circunstâncias ao tempo, ou antes, da celebração do contrato é regida pelo art.º 252.º e, indirectamente, pelo art.º 437.º (por força da remissão do art.º 252.º). Ou seja, a distinção entre os dois regimes é temporal: no art.º 252.º trata-se de circunstâncias passadas ou presentes em relação à data em que as partes celebraram o contrato, ao passo que no art.º 437.º estamos perante a alteração das circunstâncias posterior à data do contrato. Neste trabalho, vamos tratar somente da alteração das circunstâncias ocorrida posteriormente à celebração do negócio. O pressuposto do regime do art.º 437.º é a ocorrência de uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar. E é da base do negócio que se trata, i.e., inclui as circunstâncias cuja manutenção as partes, conscientemente, consideraram necessárias – base negocial subjectiva -, e ainda aquelas cuja manutenção é necessária para que não se frustre o fim que o negócio teve em vista ou não se perturbe o equilíbrio contratual de modo inaceitável – base negocial objectiva.
A manutenção do contrato afecta gravemente os princípios da boa fé
A lei exige que a possibilidade de resolver ou modificar o contrato se fundamente no facto de a manutenção das obrigações assumidas pela parte lesada afecte gravemente os princípios da boa fé, i.e., o mecanismo só deve funcionar quando a justiça contratual for de tal forma perturbada que uma pessoa de bem, séria e honesta, se absteria de exigir o cumprimento do contrato sem atender à alteração das circunstâncias. A lei não aponta para qualquer violação da boa fé, exige que ela seja gravemente afectada.
A situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato
O regime do art.º 437.º/1 afasta, desde logo, aqueles casos em que a alteração das circunstâncias é coberta pelos riscos próprios do contrato, se a disciplina estiver no seu conteúdo, é de acordo com esta que o caso concreto se resolve. É, em princípio, o caso dos contratos aleatórios, i.e., aqueles cujos efeitos dependem de um acontecimento futuro incerto. No entanto, o facto de o contrato ser tipicamente aleatório não impede que seja aplicado o regime do art.º 437.º, no caso concreto, se a alteração de circunstâncias não se enquadrar na álea (ou risco) contratual típica.
Contratos abrangidos
A questão só se coloca a respeito das prestações que devam efectuar-se no futuro, o que exclui, desde logo, as de execução imediata. Incluem-se, deste modo, apenas os contratos de execução diferida. Merece um tratamento mais cuidado a questão que se coloca em relação aos contratos aleatórios. Se, em princípio, aqueles parecem estar excluídos da disciplina do art.º 437.º, nada impede, contudo, que se aplique o regime do art.º 437.º quando a alteração das circunstâncias exceda o risco (ou a álea) intrínseco aos contratos aleatórios.
A resolução ou a modificação e o risco
Nos contratos que envolvem a transmissão de propriedade da coisa e nos que constituem ou transferem outro direito real sobre ela, o risco de deterioração ou perecimento corre, regra geral, por conta do adquirente, conforme dispõe o art.º 796.º, do Código Civil. Em caso colisão de regimes, prevalece o do art.º 796.º se a situação for abrangida pelos riscos próprios do contrato. Se, porém, os riscos excederem a álea normal definida no art.º 796.º, pode ser seguida a orientação do art.º 437.º.
Efeitos
A verificação destes requisitos confere ao lesado a resolução ou modificação do contrato, segundo juízos de equidade. O lesado é livre de solicitar a resolução ou a modificação equitativa do contrato. Se optar pela resolução, permite-se à outra parte opor-se ao pedido ou declarar aceitar a modificação do contrato. O tribunal decide, segundo critérios de equidade, pela resolução ou pela modificação, não lhe competindo, porém, modificar o pedido do lesado, substituindo-se à outra parte. Por conseguinte, se possível, deverá aproveitar-se o contrato através da revisão do seu conteúdo, i.e., actualizando e adaptando o contrato na medida da evolução das circunstâncias, de forma a manter a sua verdade originária, o seu sentido inicial; mas se este tiver perdido a sua razão de ser e não for possível estabelecer um equilíbrio justo, o tribunal deverá optar pela resolução.