No plano das relações dos poderes públicos entre si, princípio fundamental da Democracia e do Estado de Direito é o da divisão de poderes. Como defendia Montesquieu, nos primórdios da teorização da separação de poderes, para se defender a liberdade contra o abuso do poder era necessário encontrar um travão que tornasse este abuso impossível. Concluiu o autor de L’Esprit de Lois que a única forma de limitar o poder é pelo poder. Para que tal acontecesse, era preciso partilhar e atribuir diversas funções a diferentes titulares que as exercessem equilibrada e simultaneamente. A ideia base consistia em organizar o Estado em três vectores, nos quais se distinguiam três poderes: o legislativo, o executivo e o judicial. Ao Poder Judicial competia exercer um certo controlo sobre os Poderes Legislativo e Executivo, impossibilitando-os, tanto quanto possível, de lesar os direitos fundamentais dos cidadãos. Esta ideia evoluiu com a transição do Estado Liberal para o Estado Social de Direito, não se caracterizando actualmente aquele princípio por uma separação (rígida) de poderes, pois foi-se verificando progressivamente uma divisão de poderes. Ou seja, cada função pode ser distribuída por vários órgãos do poder político, não competindo a nenhum deles em exclusivo uma determinada função. Quanto ao seu núcleo essencial, seguindo a doutrina da Comissão Constitucional, este princípio assenta em duas linhas gerais: «por um lado, a função legislativa é atribuída, em princípio, ao Parlamento, a função executiva ao Governo, a função judicial aos Tribunais; por outro lado, os órgãos do Legislativo, do Executivo e do Judiciário controlam-se e limitam-se mutuamente de modo a atenuar o poder do Estado e proteger a liberdade dos cidadãos. A Constituição da República Portuguesa estabelece o princípio da separação e da interdependência dos órgãos de soberania e o da divisão das suas competências». Fazer o que o nosso primeiro-ministro fez, depois do Tribunal Constitucional ter chumbado várias das medidas orçamentais, confundindo claramente os poderes que lhe foram atribuídos, para além de descabido, traduz-se num comportamento que viola claramente este princípio estrutural e constitutivo do Estado Constitucional, fundamental ainda hoje para sustentar o Estado de Direito e a Democracia. E sobre esta conduta polémica, infelizmente, o nosso Presidente disse nada…