Com a morte de Manuel António Pina (1943-2012), o edifício da poesia portuguesa perdeu um dos seus alicerces mais sólidos, valiosos e profundos. Manuel António Pina foi autor de uma obra assaz escassa que foi melhorando com a idade, cuja escrita fina sintetizou admiravelmente a sua posição desencantada sobre o mundo, o prazer na construção de jogos de palavras labirínticos - que procurava ajudar depois a decifrar -, o seu olhar reflexivo, inquiridor e melancólico sobre as pessoas e o espaço que as rodeia, e uma permanente oposição entre conhecimento e esquecimento, não raras vezes esculpida em talhadas de humor e inconformismo. Em suma, uma criação literária densa, de assinalável inquietação e sobriedade, irreverente, telúrica, incómoda, terrível até, sobretudo quando se confronta com a doença e o inevitável envelhecimento; a qual se expandiu numa forma ímpar e inventiva de descrever o mundo, justamente premiada com o Prémio Camões, cuja substância e riqueza estilística mereciam mais que um pequeno texto incapaz de o homenagear satisfatoriamente.
O Regresso
Como quem, vindo de países distantes fora de
si, chega finalmente aonde sempre esteve
e encontra tudo no seu lugar,
o passado no passado, o presente no presente,
assim chega o viajante à tardia idade
em que se confundem ele e o caminho.
Entra então pela primeira vez na sua casa
e deita-se pela primeira vez na sua cama.
Para trás ficaram portos, ilhas, lembranças,
cidades, estações do ano.
E como agora por fim um pão primeiro
sem o sabor de palavras estrangeiras na boca.