a dignidade da diferença
09 de Fevereiro de 2017

 

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A história significa as acções e as criações dos nossos antepassados, que nos trouxeram até ao ponto a partir do qual nós prosseguimos inexoravelmente. Desde tempos imemoráveis que os homens conhecem a sua história através de mitos e lendas; desde a invenção da escrita, pelo registo das suas experiências e actuações, que tinha como fim furtá-las ao esquecimento. A história como ciência é diferente. Nesse caso, queremos saber o que realmente aconteceu. Por isso nos atemos às realidades ainda presentes, às chamadas fontes, aos documentos, aos relatos de testemunhas, às edificações e às prestações técnicas, às criações literárias e artísticas. Todas elas são perceptíveis, mas contanto que se compreenda o sentido que nelas se exprime. A ciência chega até ao ponto em que nós entendemos correctamente aquilo que nos é realmente transmitido e em que podemos comprovar que são correctas as declarações de testemunhas. Para ser puro, o conteúdo da ciência separa-se do teor dos mitos e do teor das histórias sagradas. Os testemunhos das histórias sagradas não atestam factos, são antes declarações do género: «nós acreditamos que…». Aquilo que os crentes nos dão prova é algo que nós, mesmo que então tivéssemos estado presentes, não poderíamos, sem a crença, atestar como facto. Tal como todas as ciências, também a ciência história se debate com limites. A enorme ampliação do nosso saber, penetrando no passado e em domínios antes desconhecidos, gerou a expectativa de se poderem ultrapassar os limites. Ou seja, chegaremos até ao início da história. Mas a ciência ensina-nos a modéstia perante o segredo. Não é possível prever, na verdade, a abertura dos espaços de tempo em que ainda não penetrámos e que somente se denunciam por poucos indícios. Mas cada início, mesmo o começo de algo novo no âmbito da história, coloca-nos perante um mistério, no qual a origem permanece fechada ao saber.

Karl Jaspers, in «Pequena Escola do Pensamento Filosófico»

28 de Dezembro de 2013

Face à dimensão quase estratosférica de obras que foram publicadas durante o ano e à impossibilidade física de aceder a um número mínimo exigível que permita ficar com uma ideia aceitável das publicações relevantes no domínio da criação literária, apresentar uma lista dos melhores livros do ano é, cada vez mais, uma tarefa francamente ingrata. Subsiste por isso o critério utilizado no último ano: escolher de memória os livros que mais me agradaram, sem preocupações de género ou de hierarquia. Uma lista de doze livros (nacionais e estrangeiros) - quantidade só possível de atingir com o contributo dos dois volumes da História da Minha Vida, de Giacomo Casanova -, equivalente a um por cada mês de calendário, discretamente organizada por simples ordem alfabética. Falta o destaque mais ou menos óbvio de Servidões, do Herberto Hélder - pelo menos, a avaliar pela dimensão transcendente da sua obra passada -, mas não consegui apanhar o livro. Também não entra na lista, mas podia entrar, o livro com a recolha dos escritos de Claudio Magris, publicados em jornais nos últimos dez anos, intitulado Alfabetos. Porém, só agora tive a oportunidade de lhe pegar...

 

 Giacomo Casanova, História da Minha Vida (2 volumes)

 

 Pedro Correia, Vogais e Consoantes Politicamente Incorrectas do Acordo Ortográfico

 

 Carlos Fuentes, Contos Sobrenaturais

 

Ben Goldacre, Farmacêuticas da Treta

 

Knut Hamsun, Mistérios

 

Henry James, O Aperto do Parafuso

 

Jacques Rancière, Béla Tarr O Tempo do Depois

 

Gustavo Sampaio, Os Privilegiados

 

Lee Smolin, O Romper das Cordas

 

Hjalmar Söderberg, O Jogo Sério

 

Dalton Trevisan, A Trombeta do Anjo Vingador

27 de Novembro de 2011

 

 

Após a edição portuguesa dos notáveis Fome e Pan, de cuja relevância literária já aqui falámos, a obra de Knut Hamsun - Victoria, no caso presente - teve direito a mais uma publicação nacional cuja responsabilidade esteve mais uma vez a cargo da editora Cavalo de Ferro. As preocupações narrativas do genial escritor norueguês estão, neste livro, bem distantes do universo angustiante, alucinado, solitário e de obsessiva vagabundagem atravessado pelo protagonista de Fome, mas, em contrapartida, apesar de nem sempre serem convergentes as coordenadas estéticas, aproximam-se onsideravelmente do denso retrato psicológico das personagens de Victoria e das suas trágicas paixões. Knut Hamsun, numa linguagem que nos desarma pela simplicidade assumida configurando imagens de grande beleza narrativa, aprofunda, numa história banal e de contornos facilmente reconhecíveis, a tragédia e a obsessão do amor impossível que consome Johannes e Victoria, transformando milagrosamente um aparentemente banal conto de fadas numa divagação assombrosa por retratos subjectivos de grande rigor e intensidade psicológica numa relação fremente com a natureza que os envolve. Uma obra admirável que fará em absoluto parte do balanço final de 2011.

publicado por adignidadedadiferenca às 00:58 link do post
16 de Outubro de 2011

 

 

Um elenco de livros cuja leitura seja absolutamente necessária e sem os quais não haja saúde nem cultura, não existe. Em vez disso, há para cada homem um notável número de livros nos quais precisamente ele, o indivíduo, pode encontrar satisfação e prazer. Descobrir gradualmente estes livros, entabular uma relação duradoura com os mesmos, possivelmente apropriarmo-nos deles pouco a pouco, até os tornarmos uma posse extrínseca e intrínseca estável, constitui uma tarefa específica e pessoal para cada indivíduo, que ele não pode descurar sem restringir substancialmente o âmbito da sua própria cultura e das suas próprias alegrias e, com isso, o valor da sua própria existência. (…) Para determinar o valor que um livro pode ter para mim, o facto de o mesmo ser famoso ou de estar na moda não tem praticamente nenhum relevo. Os livros não existem para que todos os leiam e encontrem neles um tema de conversas mundanas durante um certo tempo e depois os esquecem, como se faz com a última notícia desportiva ou de crónica policial: os livros querem ser gozados e amados com calma e seriedade. Só então nos revelarão as suas íntimas belezas e virtudes.

 

 

A maior parte dos homens não sabe ler e a maioria não sabe bem porque é que lê. Os primeiros vêem na leitura um caminho, bastante cansativo mas incontornável, para a «instrução» e, por muito que leiam, tornam-se, no máximo, «instruídos». Os outros têm dela um conceito de distracção ligeira com a qual passar o tempo; não importa, substancialmente, aquilo que se lê, basta que não seja aborrecido. (…) Não serve de nada conhecer a história da literatura se de cada livro que lermos não obtivermos alegria, conforto, força ou paz de espírito. Ler despreocupada e distraidamente é como passar numa bela paisagem de olhos vendados. Nem devemos ler para nos esquecermos de nós próprios e da nossa vida quotidiana mas sim, ao invés, para que nos seja possível retomar entre mãos, com maior consciência, firmeza e maturidade, a nossa existência. (Tradução de Virgílio Tenreiro Viseu)

28 de Setembro de 2011

 

Elias Canetti, prémio Nobel da literatura, romancista e ensaísta, nascido em 1905, numa pequena cidade portuária da Bulgária (Ruse) - autor cuja importância foi comparada à de alguns dos maiores escritores do século XX como, por exemplo, o genial Robert Musil (autor desse espantoso e incompleto O Homem Sem Qualidades), Hermann Broch, ou Karl Kraus -, escreveu um único romance intitulado Auto-de-Fé, objecto literário singularíssimo, assente no original percurso linguístico do seu autor, que, a crer no que sobre ele se escreveu, reflecte uma visão avassaladora do mundo, centrando-se nesse verdadeiro auto-de-fé como é a destruição de livros, e narrando a trágica história do protagonista, o filólogo Peter Kien, mais a sua imparável descida ao inferno. Desconhecíamos até à data a sua obra, mas ficámos com imensa vontade de ler esta obra, sobretudo pelo que revela a contracapa do livro:

 

 

Auto-de-fé narra a história do professor Peter Kien, erudito especializado em sinologia, proprietário da maior biblioteca privada da cidade. É no seu apartamento, rodeado de livros, que Kien se refugia, evitando todo e qualquer contacto físico e social. Misantropo, solidário, excêntrico, Kien é um ser «composto de livros», interpretando o mundo através da sua vasta biblioteca, que transporta zelosamente consigo, armazenada no interior da sua cabeça. O ponto de viragem da sua vida é o casamento com Teresa, a sua ignorante e ávida governanta. Expulso da sua própria casa, Kien é obrigado a percorrer o mundo exterior, travando conhecimento com inúmeros dos seus personagens, que o acompanharão neste seu longo exílio. Figuras sombrias, medíocres, grotescas e memoráveis, como o anão Fischerle e a prostituta, sua mulher, ou o porteiro Pfaff. Pela mão destes, Kien, julgando controlar a situação, descerá pouco a pouco ao inferno, apressando o passo para um final sublime e trágico: um verdadeiro auto-de-fé.

publicado por adignidadedadiferenca às 23:27 link do post
20 de Novembro de 2010

 

«Pan», é, desde a sua publicação, um dos livros mais apreciados e amados de Knut Hamsun. Uma obra-prima da literatura, onde «a natureza fala na língua subtil e sonhadora de um breve e idílico Verão nórdico». Através dos papéis encontrados depois da sua morte, o tenente Glahn relata-nos a sua trágica paixão pela jovem Edwarda, num crescendo de exaltação que invade e se confunde com a paisagem envolvente, tornando-se difícil distinguir entre natureza e psique.

Da contracapa da edição portuguesa

 

 

A Cavalo de Ferro volta a publicar uma obra do escritor norueguês Knut Hamsun, depois do sublime e visionário «Fome», angustiante narrativa sobre a solitária e alucinada vagabundagem de um jovem escritor que não recua perante momentos de puro e violento delírio, de miséria e fome extrema, o qual, no interior das alucinações que o vão devorando, procura uma identidade própria que, paradoxalmente, o identifica com nada, ou, quanto muito, com o absurdo da vida. Um óptima notícia para quem tem um gosto «requintado»…

 

publicado por adignidadedadiferenca às 01:36 link do post
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