a dignidade da diferença
01 de Junho de 2016

 

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«Existe um leque cada vez mais variado de terapias alternativas que pretendem ser alternativas à medicina racional, a medicina que se ensina nas Faculdades, que se baseia em provas fundadas no método científico. Em geral, essas terapias agarram-se a verdades avulsas, mais próximas de uma crença religiosa do que do conhecimento científico. São amálgamas entre aquilo que os terapeutas alternativos consideram ser a medicina tradicional (que tem o seu valor cultural e nalguns casos alguma eficácia terapêutica) e ideias recentes, bem pouco sólidas, acerca de associações entre doenças e estilos de vida. Estas terapias alternativas caracterizam-se por recusarem toda a metodologia científica que valida um tratamento convencional e por, simultaneamente, escolherem a dedo certas ideias que apresentam como cientificamente comprovadas (por exemplo, que determinada raiz de uma planta tem uma acção anticancerígena). O melhor de dois mundos, à la carte, conforme servir a ocasião ou o público-alvo. (…) Uma farmácia também já não é um lugar seguro. Podemos encontrar nas prateleiras das farmácias todo o género de charlatanices, desde cosméticos caríssimos contendo nanopartículas que oferecem vantagens duvidosas em relação a alternativas muito baratas a suplementos vitamínicos de utilidade inexplicável e mesmo, nalguns casos, a aldrabices descaradas, como remédios homeopáticos. Há também um exército de delegados de propaganda médica que todos os dias, nos hospitais e consultórios, procura convencer os médicos de algumas coisas que são verdadeiros absurdos.»

David Marçal e Carlos Fiolhais, in Pipocas Com Telemóvel e Outras Histórias de Falsa Ciência

04 de Junho de 2014

 

 

«Já sabemos que não vivemos num mundo sem sentido. As leis da física fazem sentido: o mundo é explicável. Existem níveis de emergência mais elevados e níveis mais elevados de explicação. Temos acesso a profundas abstracções na matemática, na moral e na estética. São possíveis ideias de um alcance tremendo. Mas há ainda muito no mundo que não faz sentido e não fará até sermos nós a fazê-lo. A morte não faz sentido. A estagnação não faz sentido. Uma bolha de sentido no seio de uma insensatez infindável não faz sentido. Se o mundo faz efectivamente sentido, em última análise, dependerá do modo como as pessoas – os nossos semelhantes – escolherem pensar e agir. Muitas pessoas têm aversão ao infinito sob várias formas. Mas há coisas que não podemos escolher. Há só uma maneira de pensar que é capaz de propiciar o progresso, ou a sobrevivência, a longo prazo, e esse caminho é a busca de boas explicações através da criatividade e da crítica. Não há, portanto, uma terceira via entre finito e infinito. O que nos separa no horizonte é sempre o infinito. Tudo o que podemos escolher é se é um infinito de ignorância ou de conhecimento, de certo ou errado, de morte e de vida.»

David Deutsch, The Beginning of Infinity – Explanations that Transform the World

25 de Janeiro de 2014

 

«As aparências iludem. No entanto, possuímos um amplo conhecimento da vasta e desconhecida realidade que as causa e das elegantes leis universais que regem essa realidade. Esse conhecimento assenta em explicações: afirmações sobre o que existe para além das aparências, e sobre como se comporta. Não fomos muito bem sucedidos na criação deste tipo de conhecimento na maior parte da história da nossa espécie. De onde vem? O empirismo dizia que o extraíamos da experiência sensorial. Isto é falso. A verdadeira fonte das nossas teorias é a especulação, e a verdadeira fonte do nosso conhecimento é a especulação alternada com a crítica. Criamos teorias reorganizando, aliando, alterando e acrescentando ideias às já existentes com a intenção de as melhorar. O papel da experimentação e da observação é escolher entre as teorias existentes, e não originar outras novas. Interpretamos as experiências através de teorias explicativas, mas as verdadeiras explicações não são óbvias. O falibilismo implica não ter em conta a autoridade mas, em vez disso, reconhecer que podemos estar sempre errados, e tentar corrigir os nossos erros. Fazemo-lo quando procuramos boas explicações – explicações de que é difícil criar variantes no sentido em que alterar os pormenores arruinaria a explicação. Este, e não o ensaio experimental, constitui factor decisivo na revolução científica, bem como no progresso sustentado, rápido e único noutras áreas do iluminismo. Foi uma revolta contra a autoridade que, ao contrário de outras semelhantes, não tentou alicerçar-se em justificações para as teorias do poder, mas antes estabelecer uma tradição de crítica. Algumas das ideias daí resultantes têm um enorme alcance: explicam mais que o originalmente proposto. O alcance de uma explicação é um atributo intrínseco dessa explicação, não uma suposição que fazemos sobre ela, como defendiam o empirismo e o indutivismo.»

David Deutsch, The Beginning of Infinity – Explanations that Transform the World

21 de Setembro de 2013

 

 

How to Lie with Statistics, escrito por Darrell Huff - publicado recentemente no nosso país pela Gradiva, integrado na coleção Ciência Aberta, intitulado Como Mentir Com a Estatística e traduzido por Rui Filipe Graça, ficando, por sua vez, a revisão científica a cargo de Carlos Fiolhais -, tornou-se um hiperclássico com mais de meio século de existência. Concebido essencialmente com o objetivo de preparar as pessoas contra quem as procura enganar através do (ab)uso da estatística – cujas médias, correlações, tendências e gráficos, como refere Huff, nem sempre são aquilo que parecem -, e construído numa linguagem bastante acessível, simples e clara, sem esquecer contudo o necessário rigor científico, este livro tem ainda hoje a capacidade para ensinar e divertir os seus leitores, explicando como se deve encarar e enfrentar uma estatística falsa (certificando-se, por exemplo, se esta faz algum sentido). Retirados da sua pequena introdução à obra, ficam aqui referidos alguns dos propósitos iniciais do seu autor:

 

 

«A linguagem secreta da estatística, tão atraente no quadro de uma cultura baseada em factos, é usada para causar sensacionalismo, para amplificar, para confundir e para simplificar o mais possível. Os métodos e termos estatísticos são necessários para comunicar um grande volume de dados sobre tendências socioeconómicas, condições de mercados, pesquisas de opinião e recenseamentos. Todavia, sem autores que usem as palavras com honestidade e sentido e sem leitores que saibam o que elas querem dizer, o resultado só poderá ser um completo disparate semântico. Na escrita popular sobre assuntos científicos, os abusos estatísticos quase nunca aparecem associados ao lugar-comum do herói de bata branca que trabalha horas a fio num laboratório mal iluminado, sem direito a pagamento de horas extraordinárias. Como se fossem uns pozinhos de perlimpimpim, as estatísticas fazem muitos factos importantes parecerem aquilo que, de facto, não são. Uma estatística bem embrulhada é melhor do que a “grande mentira” da propaganda hitleriana – engana, mas não revela a origem do engano. Este livro é uma espécie de introdução às várias formas de usar a estatística para enganar alguém. Pode parecer um manual para vigaristas. Talvez eu possa justificá-lo com a imagem do ladrão aposentado cujo livro de memórias equivale a uma licenciatura em arrombar fechaduras e andar com pezinhos de lã: os bandidos já conhecem esses truques, mas as pessoas honestas devem aprendê-los para sua própria defesa.»

29 de Agosto de 2013

 

 

«A teoria das cordas, tal como é entendida, postula que o mundo é essencialmente diferente do mundo que conhecemos. Se a teoria das cordas estiver certa, o mundo tem mais dimensões e muito mais partículas e forças do que as observadas até ao momento. Muitos teóricos das cordas falam e escrevem como se a existência dessas dimensões e partículas adicionais fosse um facto comprovado, de que nenhum bom cientista pode duvidar. Mais de uma vez algum teórico das cordas me disse coisas como “quer dizer que tu achas que é possível não existirem dimensões extra?”. Na verdade, nem a teoria nem a experiência oferecem qualquer indício de que existam dimensões extra. Um dos objectivos deste livro é desmistificar as afirmações da teoria das cordas. As ideias são bonitas e com boa motivação. No entanto, para entender por que razão não levaram a um progresso maior temos de ser claros precisamente quanto ao que os dados apoiam e ao que ainda está a faltar. Uma vez que a teoria das cordas é um empreendimento de tão alto risco – não sustentado pela experiência, apesar de muito generosamente apoiado pelas comunidades académicas e científicas -, existem apenas duas maneiras de a história acabar. Se a teoria das cordas se revelar correcta, os teóricos das cordas passarão a ser os maiores heróis da história da ciência. Com base num punhado de pistas – tosas elas de leitura ambígua -, terão descoberto que a realidade é muito mais vasta do que se imaginava. (…) Por outro lado, se os teóricos das cordas não tiverem razão, não podem estar apenas um pouco errados. Se as novas dimensões e simetrias não existirem, incluiremos os teóricos das cordas entre os maiores fracassados da ciência, como aqueles que continuaram a trabalhar nos epiciclos de Ptolomeu na altura em que Kepler e Galileu avançaram. Sobre eles serão contadas histórias de advertência acerca do modo como não se deve fazer ciência, como não permitir que a conjectura teórica fique tão para além dos limites do que pode ser racionalmente argumentado que o seu autor comece a envolver-se em pura fantasia.»

Lee Smolin, O Romper das Cordas, Ascenção e Queda de uma Teoria e o Futuro da Ciência

21 de Dezembro de 2008

É a primeira vez que o faço, mas o serviço que presta ao país é tão importante que me vejo na obrigação de publicitar a sua existência. Trata-se do magnífico blog De Rerum Natura da responsabilidade de Carlos Fiolhais (físico), Desidério Murcho (filósofo), Helena Damião (pedagoga), Jorge Buescu (matemático), Palmira F. Silva (química), Paulo Gama Mota e Sofia Araújo (biólogos).

Os seus autores, figuras conhecidas da cultura e do sistema educativo nacional, preocupam-se seriamente com o destino da nossa educação, criticam-na de forma objectiva, propondo soluções ou alternativas ao que está feito ou falta fazer, mas sempre com a preocupação de fundamentar e justificar as suas opiniões e pretensões.

Quase todos sabemos que a nossa sociedade do futebol e das telenovelas prefere alimentar-se da autêntica comida para porcos que nos oferecem, diariamente, quase todos os canais de televisão nacionais, recusando, por preguiça ou ignorância, um caldo de cultura que a prepare melhor para resistir e sobreviver perante as dificuldades que o mundo actual lhe coloca (desde que também haja atitude e força de vontade, evidentemente).

Felizmente nem todos somos assim e o blog parece resistir bem e ter uma afluência bastante meritória de visitantes. Eu já o sou há uns meses, mas, por negligência, só hoje me lembrei de o destacar como merece. Mais um caso para dizer: antes tarde que nunca.

 

 

CARLOS FIOLHAIS «ENGENHO LUSO E OUTRAS CRÓNICAS»

 

Aproveitando a boleia, convido-vos a ler o excelente livro de crónicas de Carlos Fiolhais – professor de Física na Universidade de Coimbra e director da Biblioteca da mesma Universidade - que acaba de sair sob a chancela da Gradiva. Para realçar a urgência da sua leitura basta-me transcrever o texto que acompanha o livro e que lhe serve de sinopse.

 

 

Este livro reúne as crónicas do autor publicadas no jornal Público sobre diversos temas da nossa actualidade ou da nossa história, mas muito em particular sobre educação e cultura. No prefácio, José Manuel Fernandes, director desse jornal, escreve:

«Físico, (...) tem os pés bem assentes na terra (...) e, sobretudo, é capaz de tornar simples o que está na fronteira da máxima complicação.

No entanto, quando o convidei para escrever regularmente no Público, não lhe pedi o que talvez fosse mais fácil: fazer uma crónica divertida sobre a evolução da disciplina que domina. Pedi-lhe apenas para ser ele, iconoclasta e imprevisível e com liberdade para escrever sobre o que bem entendesse.

Foi exactamente o que ele fez. Com dois brindes: primeiro, fosse qual fosse o tema que escolhesse, via-o sempre de uma perspectiva que é rara num mundo onde todos tendem a falar do mesmo e da mesma forma; depois, ao lê-lo aprendíamos sempre qualquer coisa, e quase nunca sobre física. O Carlos Fiolhais revelou-se, como cronista, uma espécie de homem do Renascimento, senhor de uma cultura enciclopédica que lhe permitia sempre associar o que parecia uma notícia ou um evento banal a um conceito, um acontecimento histórico, uma descoberta, uma história ou um personagem, o que nos deixava sempre mais ricos.»

 

Não preciso de dizer mais nada. Bem-vindos ao Renascimento!

 

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