Embora lhe reconheça alguns excessos e não menospreze pequenas mas significativas omissões – Anthony Mann e Rouben Mamoulian serão os exemplos mais flagrantes –, concordo, na generalidade, com a tese que advoga a política de autores, entusiasticamente defendida pelos Cahiers du Cinema nos seus anos de mais intensa e gloriosa actividade cinéfila. Não compreendo, de resto, alguma insistência entre a maioria das pessoas com quem convivo em sustentar que a razão por que vai ao cinema ou procura um livro é apenas a história que estes têm para contar. Nada mais errado, suponho. A história é um elemento comum às mais diversas formas de expressão artística; nessas artes, o que distingue os seus autores será o modo como pegam naquilo que têm para dizer esculpindo-o segundo o seu ponto de vista. Conhecendo o conjunto da sua obra, descobrimos as características e os elementos que lhe são comuns; a sua identidade, as suas preocupações estéticas e a sua personalidade. Podemos, em última análise, afirmar que mais importante do que a história é a forma como ela é contada. Por vezes, daí resulta um confronto inexistente entre forma e conteúdo, quando, na realidade, nos melhores exemplos a substância reside na própria forma. Polémica (ou não) à parte, Gerald Mast explica, num notável ensaio sobre Howard Hawks, intitulado Auteur ou Story Teller e traduzido por Maria José Paletti, a importância relativa da história (segundo ele, apenas a premissa), caracterizando a substância por tudo aquilo que se lhe acrescenta, designadamente a matéria fílmica. Mesmo num cineasta como Hawks, que afirma preocupar-se exclusivamente com a história, se percebe a importância que dedica à sua composição, aparentemente de forma instintiva e quase mecânica, através do recurso sistemático aos planos simultaneamente objectivos e subjectivos, à invenção dos diálogos às três tabelas, ou à exploração da metonímia; construindo uma narrativa em torno de um sistema moral específico onde os personagens se descobrem, paralela à criação de um espaço psicológico recheado de sentimentos, valores e atitudes. É essa perspectiva de autor que torna, por exemplo, em Red River, a história de Howard Hawks muito superior à história (original) de Borden Chase: graças à sua magnífica e obstinada realização ou a actores como Walter Brennan, Montgomery Clift e John Wayne. Ora vejamos:
Red River (1948)
«O que é que Howard Hawks achava que tornava melhores os seus melhores filmes? Se lermos as entrevistas que concedeu nos últimos quinze anos de vida, encontramos repetidamente a palavra “história” – “Estou apenas a tentar contar uma história”, “é o estilo de história que me interessa”, “isso dá uma boa história”, “era assim que eu gostava de contar essa história” e por aí fora. Muitos dos admiradores “auteurists” de Hawks fogem a sete pés desta palavra embaraçosa: história significa argumento, história significa personagens, história significa “literatura” e não “cinema”, história significa intriga e não ângulos de câmara, montagem, composição, ilustração e décor. As histórias não são exclusivo do cinema mas comuns aos romances, às peças de teatro, às óperas, aos ballets, aos poemas, até às pinturas. Sob este ponto de vista (subjacente à maioria das teorias mais importantes do filme como meio de comunicação) a história é apenas a premissa, o dado de qualquer obra de cinema, e a verdadeira matéria – o cinema – é aquilo que se lhe acrescenta. Esta perspectiva funciona melhor em relação àqueles realizadores que mais acrescentam – e são mais fáceis de discutir precisamente por causa desse acrescentamento. Mas uma tal perspectiva pura e simplesmente não funciona com Hawks, que não acrescenta cinema às suas histórias, mas converte as suas histórias em cinema. Demonstrar que Hawks tem algum valor é demonstrar que ele contou boas histórias.»
Only Angels Have Wings (1939)