a dignidade da diferença
17 de Março de 2012

 

 

O génio burlesco de Jerry Lewis merece ser recordado sobretudo naquele período da sua carreira onde, libertando-se das restrições impostas pelas ideias estéticas de outros autores a quem se encontrava subordinado, decidiu realizar os filmes que interpretava. Se o seu talento interpretativo evolui de forma sistemática e consistente, cujo feliz encontro com o humor irónico e caótico de Frank Tashlin lhe abriu imensas possibilidades para explorar a sua personagem visual, foi no momento em que decidiu ser autor das obras que protagonizou que Jerry Lewis demonstrou a sua arte superior numa década prodigiosa (os anos 60 do século XX) de obras-primas sucessivas: o fascínio de uma mise-en-scène simultaneamente desmedida e delicada que põe a nu toda a superficialidade de modelos, cantoras e manequins em cenário de casa de bonecas em The Ladies Man, de 1961, a espantosa riqueza cromática e a superior elaboração representativa que conduz a uma sátira impiedosa dos preconceitos conservadores da época no irrepetível The Nutty Professor, de 1963, o arrojado tour-de-force interpretativo no exuberante virtuosismo técnico de The Family Jewels, de 1965, e, acima de todos - opinião que vou consolidando à medida que o tempo passa -, essa assombrosa antologia de todos os gags possíveis e imaginários que é The Patsy, de 1964, o mais cruel e certeiro julgamento apontado ao fingimento e aos métodos utilizados pelas fábricas de sonhos, as quais, sob a proteção de apelativos mas odiosos disfarces, mais não fazem no fundo que valorizar e promover a inutilidade e a imensa pobreza da mediocridade. Essencial ainda hoje.

 

publicado por adignidadedadiferenca às 00:47 link do post
04 de Junho de 2008

 

 

 

Buster Keaton foi um dos gigantes incontornáveis do burlesco americano. Conhecido por «o homem que nunca ri», Keaton foi dos primeiros cineastas a compreender as modificações que os ritmos novos (de então) iriam trazer à relação do ser humano com o espaço que tem pela frente, sendo, por isso, eternamente moderno.

 

Se Chaplin, outro dos mestres da época, entendia o cinema de forma mais humanista (embora, muitas vezes, um humanismo profundamente perverso), Keaton era mais maquinal, uma vez que ele se reinventava ao nível das formas genuínas do tempo e do espaço e da relação que entre elas se estabelecia através do movimento, o que o torna um dos mais abstractos cineastas de sempre.

 

Os seus filmes são construídos com uma precisão e rigor tal, que parecem autênticas peças de relojoaria. Sucedem-se, a um ritmo alucinante, os gags calculados, de forma quase maníaca, até ao mais ínfimo detalhe e elaborados com uma cadência e ajuste matemático que ainda hoje surpreendem pela forma como tudo parece jorrar do modo mais natural possível. Exemplos perfeitos encontram-se na prodigiosa mise-en-scène e na montagem de filmes como «The General», em que a acção se desenrola durante a guerra civil americana e serve de pretexto para a invenção de alguns dos mais geométricos, tresloucados e soberbos gags, ou como «Seven Changes» - veja-se a inacreditável cena em que o personagem tropeça numa pedra, que imediatamente arrasta atrás de si mais algumas e por aí fora em vertiginosa perseguição ao protagonista, até vermos, incrédulos, o mundo reorganizar-se e simultaneamente desabar inteiro perante os nossos olhos -, ou, por fim, esse filme dentro do próprio filme que é o espantoso «Sherlock, Jr.».

 

 

Sherlock, Jr.

 

 

Podia falar também de «Steamboat Bill Jr.» mas a lista ia parecer interminável. Buster Keaton perdeu relevância com o aparecimento do cinema sonoro, mas a sua arte individual e meticulosamente corporal continua, ainda hoje, ímpar e perfeitamente actual.

Um génio incontestado.

 

The General

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 23:50 link do post
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