Ao citar títulos ficcionados, referências imaginárias, in-fólios e autores que nunca existiram, Borges não faz mais do que reagrupar elementos da realidade na forma de outros mundos possíveis. Ao passar, por meio do jogo de palavras e do eco, de uma língua a outra, faz girar o caleidoscópio, projecta luz sobre uma outra secção do muro. Como Emerson, que infatigavelmente cita, Borges sabe que a visão de um universo simbólico, exaustivamente entretecido, é uma alegria certa (…) Para Borges, como para os transcendentalistas, não há coisa viva ou som que não contenha uma cifra de todos os outros. Este sistema de sonhos (…) engendrou algumas das narrativas breves mais inspiradas e assombrosamente originais da literatura ocidental. «Pierre Menard», «A Biblioteca de Babel», «As Ruínas Circulares», «O Aleph», «Tlön, Uqbar, Orbis Tertius», «A Busca de Averróis» são outras tantas obras-primas lacónicas. A sua perfeição concisa, como a de um bom poema, constrói um mundo que é ao mesmo tempo fechado, com o leitor inevitavelmente dentro dele, e todavia aberto à ressonância mais ampla. Certas parábolas, não mais compridas do que uma página (…) são, ao lado das de Kafka, realizações únicas dessa forma manifestamente frágil. Se nada mais tivesse produzido além das «Ficções», Borges contar-se-ia entre os poucos sonhadores novos desde a época de Poe e Baudelaire. Tornou mais profunda – e tal é a marca de um artista verdadeiramente grande – a paisagem das nossas memórias. No entanto, apesar da sua universalidade formal e das dimensões vertiginosas do seu leque de alusões, o edifício da arte de Borges tem falhas severas. Só uma vez, no conto chamado «Emma Zunz», Borges criou uma mulher verosímil. Ao longo da sua restante obra, as mulheres são vagos objectos da fantasia ou das recordações dos homens. Mesmo entre homens, as linhas de força da imaginação de Borges são restritivamente simplificadas. A equação fundamental é a do duelo.
George Steiner, Tigres no Espelho, ensaio publicado em The New Yorker.