Da autoria de Art Spiegelman (nascido em 1948), Maus é muito provavelmente uma das mais extraordinárias e comoventes obras de banda desenhada criadas até hoje. Spiegelman conta-nos a história de Vladek Spiegelman, um judeu que sobreviveu ao Holocausto, bem como a do seu filho (trata-se do próprio autor do livro, Art), do qual nos vamos apercebendo que sente uma grande dificuldade em compreender o heroísmo do pai, para quem não passa de uma pessoa banal. Alternando a acção entre o que se passou na Polónia - as memórias do pai durante o período da Europa de Hitler - e a actualidade vivida em Nova Iorque, o livro cruza entre si duas histórias intensas e comoventes. A primeira assenta no testemunho do pai de Art e da mulher sobre a sua luta diária pela sobrevivência num ambiente de permanente terror e desafio perante a visão próxima da morte. Está recheada de paixões, traições e tentativas de fuga desesperada. A segunda revela-nos o difícil relacionamento de Art com o seu pai, os quais, tal como o mais comum dos mortais, procuram seguir uma vida normal, atravessada contudo, pelas angústias do narrador e pelos dramas do passado de Vladek. Trabalhando uma história aparentemente simples elaborada com previsíveis factos do quotidiano, o autor confere, no entanto, uma profunda e complexa densidade psicológica às personagens, enriquecendo a narrativa com múltiplas situações de conflito, tensão e apelo à memória de acontecimentos tão distantes que já pareciam esquecidos, abrindo feridas que já estavam cicatrizadas. Maus caracteriza-se ainda pela forma minimalista como Spiegelman compõe o desenho, num contido e mui expressivo preto e branco, configurando os nazis como gatos e os judeus como ratos. A elaboração desse grafismo rigoroso e elementar amplia o texto, já de si magnífico, conferindo-lhe o máximo de expressividade. Maus cativa porque funciona como uma poderosíssima metáfora figurativa: o contraste no rosto dos animais, a opção feliz pelos tons negros, densos e sombrios que talvez espelhem melhor os acontecimentos dilacerantes que o autor lentamente dá a conhecer, de forma rigorosa e magistral, aos seus leitores. O livro, testemunho documental único sobre uma época que não devemos esquecer, sobrevivia no mercado nacional numa edição paupérrima da Difel em dois volumes (com erros ortográficos e assim); felizmente, numa edição recente, cuidada e num único volume, com tradução a cargo de Joana Neves, a Bertrand emoldurou a obra com a dignidade que um vencedor do Prémio Pulitzer merecia.