a dignidade da diferença
16 de Novembro de 2014

 

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Da autoria de Art Spiegelman (nascido em 1948), Maus é muito provavelmente uma das mais extraordinárias e comoventes obras de banda desenhada criadas até hoje. Spiegelman conta-nos a história de Vladek Spiegelman, um judeu que sobreviveu ao Holocausto, bem como a do seu filho (trata-se do próprio autor do livro, Art), do qual nos vamos apercebendo que sente uma grande dificuldade em compreender o heroísmo do pai, para quem não passa de uma pessoa banal. Alternando a acção entre o que se passou na Polónia - as memórias do pai durante o período da Europa de Hitler - e a actualidade vivida em Nova Iorque, o livro cruza entre si duas histórias intensas e comoventes. A primeira assenta no testemunho do pai de Art e da mulher sobre a sua luta diária pela sobrevivência num ambiente de permanente terror e desafio perante a visão próxima da morte. Está recheada de paixões, traições e tentativas de fuga desesperada. A segunda revela-nos o difícil relacionamento de Art com o seu pai, os quais, tal como o mais comum dos mortais, procuram seguir uma vida normal, atravessada contudo, pelas angústias do narrador e pelos dramas do passado de Vladek. Trabalhando uma história aparentemente simples elaborada com previsíveis factos do quotidiano, o autor confere, no entanto, uma profunda e complexa densidade psicológica às personagens, enriquecendo a narrativa com múltiplas situações de conflito, tensão e apelo à memória de acontecimentos tão distantes que já pareciam esquecidos, abrindo feridas que já estavam cicatrizadas. Maus caracteriza-se ainda pela forma minimalista como Spiegelman compõe o desenho, num contido e mui expressivo preto e branco, configurando os nazis como gatos e os judeus como ratos. A elaboração desse grafismo rigoroso e elementar amplia o texto, já de si magnífico, conferindo-lhe o máximo de expressividade. Maus cativa porque funciona como uma poderosíssima metáfora figurativa: o contraste no rosto dos animais, a opção feliz pelos tons negros, densos e sombrios que talvez espelhem melhor os acontecimentos dilacerantes que o autor lentamente dá a conhecer, de forma rigorosa e magistral, aos seus leitores. O livro, testemunho documental único sobre uma época que não devemos esquecer, sobrevivia no mercado nacional numa edição paupérrima da Difel em dois volumes (com erros ortográficos e assim); felizmente, numa edição recente, cuidada e num único volume, com tradução a cargo de Joana Neves, a Bertrand emoldurou a obra com a dignidade que um vencedor do Prémio Pulitzer merecia.

publicado por adignidadedadiferenca às 20:50 link do post
31 de Março de 2011

 

 

O Público, em parceria com a ASA, publicou, na colecção Os Incontornáveis de Banda Desenhada, O Buda Azul, do suíço Cosey (Bernard Cosandey), admirável autor da série Jonathan e de Viagem a Itália, entre outras obras quase tão significativas.Com O Buda Azul, Cosey regressa ao universo contemplativo, reflexivo, silencioso, por vezes sombrio, mas não isento de cor e acção, que caracterizava grande parte da sua obra anterior. Tendo como pano de fundo a ocupação chinesa do Tibete, Cosey narra-nos a história de um jovem inglês, Gifford, recebido pelos residentes de um mosteiro tibetano, do seu encontro com Lhahl, a jovem guardiã do Buda Azul, do amor impossível, da posterior separação e da longa demanda em busca da sua amada. Uma história onde o seu autor consegue, uma vez mais, siderar-nos com a absurda riqueza cromática e o rigor formal do traço, o experimentalismo estético e uma permanente insatisfação que o faz questionar criteriosamente os parâmetros estabelecidos através de uma inesgotável gama de recursos estilísticos. Mas isso, por si só, talvez não bastasse. O que mais nos impressiona é a circunstância do sentido estético de Cosey não ser um corpo vazio, isto é, do requinte instrumental estar aqui apenas para servir uma admirável construção filosófica sobre os desígnios, o sofrimento, as aspirações, os medos e as inquietações que os desafios do mundo contemporâneo provocam. 

publicado por adignidadedadiferenca às 00:47 link do post
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