a dignidade da diferença
10 de Dezembro de 2023

«Propomos simplesmente um estudo de caso, que assenta em duas constatações interessantes para a nossa reflexão sobre o mundo em que vivemos e trabalhamos: jovens juristas, universitários e altos funcionários do Terceiro Reich reflectiram muito sobre as questões da gestão, porque o empreendimento do regime nazi enfrentava necessidades gigantescas em termos de mobilização dos recursos e de organização do trabalho. Elaboraram, paradoxalmente, uma concepção do trabalho não autoritária, em que o empregado e o operário consentem na sua sorte e aprovam a sua actividade, num espaço de liberdade e de autonomia muito incompatível a priori com o carácter iliberal do Terceiro Reich, uma forma de trabalho “pela alegria” que prosperou após 1945 e que nos é familiar hoje, quando o “empenhamento”, a “motivação” e a “implicação” são tidos como procedendo do “prazer” de trabalhar e da “benevolência” da estrutura.» Como? Através de uma gestão não-autoritária em que é-se livre de obedecer, livre de realizar os objectivos fixados. Liberdade que consiste na escolha dos meios, mas nunca na dos fins. «A darmos crédito ao que lemos em Reinhard Höhn, o seu método não tem senão méritos “Os colaboradores já não são dirigidos por ordens precisas dadas pelo seu superior (…) dispõem de um campo de acção bem definido em que são livres de agir e de decidir de maneira autónoma, graças às competências que lhes são atribuídas.” Mas cabe ao chefe, como sempre, a responsabilidade de comandar e, doravante, de controlar e de avaliar.» A Alemanha Federal acolheu favoravelmente o método de gestão, conciliável consigo própria. «O ordoliberalismo queria-se uma liberdade enquadrada, a economia social de mercado visava a integração das massas através da participação e da co-gestão, a fim de evitar a luta de classes e a derrapagem no sentido do “bolchevismo”. (…) É, com efeito, uma comunidade de carreiras, de intuições e de cultura que, após 1949, “reconstruiu” os fundamentos da produção económica, do Estado e das forças armadas. (…) É antes hoje que se põe a questão seguinte: como pode uma sociedade política liberal, única e inédita na história humana, tolerar, no domínio económico, práticas tão manifestamente antagónicas aos seus princípios fundamentais? A “gestão pelo terror” e a alienação quase absoluta de indivíduos reduzidos a um simples “factor trabalho”, a um puro “recurso humano” ou outro “capital produtivo” foram aclimatadas nas nossas sociedades tendo por motivo (…) a “globalização” e a sua realidade concorrencial.» Recordando o eugenismo, o racismo e o darwinismo social de que os nazis sempre foram devedores, Johann Chapotout expõe, neste livro, a tese da modernidade do nazismo, a sua «sinistra contemporaneidade», em que vinga um modelo de gestão no qual os colaboradores, livres de escolher os meios, nunca decidem os objectivos, transferindo-se, assim, dos chefes para os colaboradores, recaindo nestes, a responsabilidade exclusiva pelo eventual fracasso. São, por isso, sempre «livres de obedecer.»
 

411vM0DzH8L._AC_UF1000,1000_QL80_.jpg

 

 

 
 
publicado por adignidadedadiferenca às 15:05 link do post
08 de Setembro de 2012

 

 

«Idealmente, não são as obras que devem agradar aos homens, mas os homens que deveriam tentar estar à altura das obras. Não cabe ao espectador/consumidor escolher a sua obra, mas à obra escolher o seu público, determinando quem é digno dela. Não nos compete julgar Baudelaire ou Malevitch; são eles que nos julgam e que julgam a nossa faculdade de julgamento. A obra, nesta perspectiva, não deve estar ao “serviço” do sujeito que a contempla. Podíamos dizer da arte o que é válido para a ética: estabelece parâmetros, indica onde é que os indivíduos deveriam esforçar-se por chegar – e não o contrário. Uma das funções da arte foi sempre mostrar aos indivíduos um mundo superior, no qual encontrávamos a liberdade e a intensidade cuja ausência se fazia sentir tão cruelmente na vida de todos os dias. A arte deixava entrever modos de vida mais elevados e mais essenciais, tanto na epopeia como na primeira pintura abstrata – e confrontava assim o individuo com o estado do mundo real.»

Anselm Jappe, Sobre a Balsa da Medusa, tradução de José Alfaro

14 de Agosto de 2012

 

 

«O tema deste livro é, em primeiro lugar, a história das noites arrancadas à sucessão normal do trabalho e do descanso: interrupção impercetível, inofensiva, dir-se-á, do curso normal das coisas, onde se prepara, se sonha, se vive já o impossível, a suspensão da ancestral hierarquia que subordina aqueles que estão destinados a trabalhar com as mãos aos que receberam o privilégio do pensamento. Noites de estudo, noites de embriaguez. Dias de trabalho prolongados para ouvir a palavra dos apóstolos ou a lição dos educadores do povo, para aprender, sonhar, debater ou escrever. Manhãs de domingo antecipadas para irmos junto para o campo surpreender o nascer do dia. Dessas loucuras, alguns sair-se-ão bem: acabarão empresários ou senadores vitalícios – não necessariamente traidores. Outros morrerão delas: suicídio das aspirações impossíveis, definhamento das revoluções assassinadas, tísica dos exílios nas brumas do Norte, pestes desse Egito onde se procurava a Mulher-Messias, malária do Texas onde se ia construir Icária. A maioria passará a vida nesse anonimato, de onde por vezes emerge o nome de um poeta operário ou do dirigente de uma greve, do organizador de uma efémera associação ou do redator de um jornal logo desaparecido.»

Jacques Rancière in A noite dos proletários (prólogo)

publicado por adignidadedadiferenca às 00:28 link do post
Dezembro 2023
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

mais sobre mim
pesquisar neste blog
 
últ. comentários
Boa noite,Ainda tem o DVD do filme O Anjo Extermin...
Boa tarde,Sabe como posso contactar o autor deste ...
Boa tarde,Sabe como posso contactar o autor deste ...
Boa tarde,Sabe como posso contactar o autor deste ...
Boa noite,Ainda tem o DVD do documentário Tristeza...
Boa tarde,Sabe como posso contactar o autor deste ...
Boa tarde,Sabe como posso contactar o autor deste ...
Boa tarde,Sabe como posso contactar o autor deste ...
Boa tarde,Sabe como posso contactar o autor deste ...
Boa tarde,Confirmo o meu interesse no DVD Tristeza...
Boa tarde,Ainda tem o DVD do documentário Tristeza...
Caro Rui Gonçalves,Venho por este meio solicitar q...
blogs SAPO