O FAZEDOR DE UTOPIAS: UMA BIOGRAFIA DE AMÍLCAR CABRAL
Uma muito interessante biografia escrita por António Tomás (jornalista e antropólogo nascido em Luanda, em 1973) sobre o líder fundador do PAIGC, Amílcar Cabral. Ao contrário das habituais biografias bajulatórias ou que procuram apenas o éxito fácil através do relato de acontecimentos supostamente escandalosos do visado, esta é uma pesquisa séria e preocupada, principalmente, em trazer novamente a importância histórica e política dessa fascinante figura de África para o contexto actual, remediando alguma injustiça de que tem sido alvo por ter sido praticamente esquecido pelas gerações futuras.
É um retrato certeiro, eficaz e incisivo, próprio de uma linguagem que naturalmente denuncia a formação jornalística do seu autor, que procura fazer compreender aos seus leitores a importância da utopia do histórico líder africano – aquele que mais respeito mereceu do mundo ocidental pela sua formação intelectual e generosidade de pensamento -, reflectindo sobre o rumo que a sua vida tomou desde as suas raízes até ao seu assassinato, pairando, sobretudo, a ideia de unidade e independência que sempre atravessou o pensamento de Amílcar Cabral e que este procurou incutir a todos aqueles que com ele se cruzaram, mas que, ao mesmo tempo, lhe trouxe imensos problemas criados pelos opositores e inimigos que foi angariando ao longo da sua curta existência.
O livro foi publicado no ano passado, mas só agora tive a (feliz) oportunidade de o ler e aconselho-o vivamente a quem se interessa por história e política e, nomeadamente, pela história de África e da independência dos seus países.
«Amílcar Cabral nasceu guineense e cabo-verdiano, numa generosidade pan-africanista que, paradoxalmente, haveria de ser a sua desgraça.
Tenho para mim que foi uma das figuras mais interessantes do século XX, uma espécie melhorada (muito melhorada mesmo) de Che Guevara africano. O facto de o seu nome e de a sua obra dizerem hoje tão pouco às novas gerações de intelectuais africanos, e de ser praticamente desconhecido fora do continente, afigura-se-me uma enorme injustiça.
Este livro tenta devolver ao grande público essa figura maior de África. Fá-lo numa linguagem jornalística, apoiada numa investigação rigorosa. O facto de o seu autor, António Tomás, ser angolano, não me parece irrelevante. Trata-se de dar a ver um pensador e combatente africano numa perspectiva africana. Algo que teria certamente agradado a Amílcar Cabral.»
José Eduardo Agualusa, escritor angolano
CONTOS DE NATAL
Mudando de assunto e aproveitando a época natalícia, aqui vos deixo com mais umas recomendações musicais perfeitas para a época. Primeira recomendação, o belíssimo «Songs for Christmas» da autoria de Sufjan Stevens, soberbo autor de canções recheadas e enriquecidas por panorâmicos bordados orquestrais, que, neste conjunto de presentes musicais oferecidos à família – entre temas clássicos e muitos originais -, gravados entre 2001 e 2006 (com pausa em 2004), contraria a tendência habitual para a banalidade costumeira destes discos de espírito natalício.
Em segundo lugar, o óptimo «One More Drifter in the Snow» de Aimee Mann, em que a artista norte-americana se dedica a interpretar, com a sua banda habitual, uma série de clássicos de natal e termina o disco com uma canção da sua autoria que - já seria de esperar num texto seu - contraria tudo aquilo que se espera de uma canção natalícia, a espantosa «Calling On Mary».
Ambos apareceram nas lojas em 2006 e, desde então, têm sido a minha companhia musical para os últimos dias de cada ano.
Sufjan Stevens "Sister winter"
Aimee Mann "Calling on Mary"