a dignidade da diferença
09 de Setembro de 2016

 

la traviata.jpg

 

 A dedicação de Giuseppe Verdi à criação da partitura de La Traviata em pouco mais de quatro semanas – mais precisamente entre a estreia de Il Trovatore em Roma, no dia 19 de Janeiro de 1853, e o dia 6 de Março do mesmo ano – ilustra bem a fecundidade do seu génio, bem como o seu desembaraço na composição. Não é esse, contudo, o seu maior feito, pois La Traviata impressiona sobretudo pelo seu estilo tão distinto da ópera anterior, Il Trovatore. Com efeito, enquanto esta última pulsa com as paixões de amor, ódio ou vingança, confinadas aos jardins palacianos, castelos ou masmorras - cenários rigorosamente apropriados ao incentivo de tais sentimentos – a primeira, pelo contrário, quando palpita é de dor e decorre em interiores burgueses, com música a condizer: viva, espirituosa e delicada, tão rica nas suas subtilezas e expressividade melódica que consegue transmitir, ainda hoje, de forma tão cortante e eloquente, as sensibilidades, esperanças e vicissitudes das suas personagens. A versão dirigida pelo maestro James Conlon, com Renée Fleming, Rolando Villazón e Renato Bruson nos principais papéis, advoga de modo convincente.

 

 

06 de Maio de 2012

Wozzeck (1951), Alban Berg/Dimitri Mitropoulos

 

 

Wozzeck, do compositor Alban Berg, é uma ópera em três atos, cada um dividido em cinco cenas, na qual o seu autor procurou uma forma concisa de comunicação entre a música e o drama, dando ênfase a uma ideia de ópera que, como o próprio diria, «transcende, e muito, o destino individual de Wozzeck». Mas se Berg não queria que o público reparasse, durante a representação, na estrutura musical da peça, «as várias fugas e invenções, suítes e movimentos de sonata, variações e passacaglias (forma musical com origem em danças de ritmo ternário, que se constrói a partir de um baixo ostinato)», é difícil, porém, esquecer a complexa e audaciosa matriz musical da obra. Se por um lado, Wozzeck talvez não seja uma representação imaculada do homem comum, por outro, é evidente a força e o potencial da sua linguagem estética, a subtileza das sugestões musicais, a intensidade, o cromatismo e a profundidade dramática, ou a invenção artística e orquestral. Com o contributo de um conjunto de cantores excecional, Dimitri Mitropoulos, com um rigor e uma atenção ao detalhe assinaláveis e a utilização adequada de uma gama inesgotável de recursos estilísticos e expressivos, amplia o efeito avassalador de uma música prodigiosa, simultaneamente dissonante, lírica e atonal. Uma gravação histórica que se tornou um verdadeiro clássico do género.

 

 

11 de Dezembro de 2011

 

Senso, mítico filme de 1954, foi editado finalmente em DVD (parabéns à Alambique, mais ainda se nos recordarmos que também é a responsável pela edição do singularíssimo The Night of the Hunter, filme único do celebérrimo actor Charles Laughton). A obra-prima absoluta de Luchino Visconti (lugar potencialmente disputado apenas por Il Gattopardo) é um dos mais extraordinários filmes europeus de toda a história do cinema. Nele se retratam os últimos meses da ocupação austríaca do Veneto, filmados em prodigioso registo operático e sob uma cor luminosa (inclassificável fotografia), dando lugar a um magnífico e paradoxal drama musical, uma abissal vertigem de traições políticas e paixões desesperadas, a qual, num percurso paralelo ao do som da enleante Sétima Sinfonia de Bruckner pelas ruas de Veneza, oferece a Alida Valli a sua entrada directa para a mitologia. Um filme admirável, cuja mise en scène se destaca de modo superlativo - como acontece, quase sempre, com o verdadeiro cinema de autor - , e que deve ser visto e revisto muitas vezes.

 

publicado por adignidadedadiferenca às 03:17 link do post
12 de Outubro de 2010

 

 

Tommy Beecham sugeriu a Michael Powell e Emeric Pressburger que fizessem The Tales of Hoffmann, adaptação da ópera homónima de Offenbach, encarregando-os de realizar um musical, no qual participou a mesma equipa de Red Shoes. O filme, realizado em 1951, ficou pronto ao fim de nove semanas. Recentemente, a Divisa, numa opção feliz, disponibilizou esta obra-prima no mercado do DVD.

O resultado visível é um deslumbrante preciosismo de estilo envolto num sumptuoso technicolor em puríssimo estado de graça. Mas não só, a dupla, responsável pelo melhor que o cinema britânico nos trouxe até hoje, constrói um espectáculo esplêndido, assente na ópera, no teatro, no ballet e no cinema, filtrados por um apurado sentido estético (ou plástico) e influenciado pela sua visão moderna (à época) das mais variadas expressões artísticas. Filme de sonhos, filme de fantasia, The Tales of Hoffmann transmite-nos ainda, o que não é pouco, uma cornucópia de sentimentos e emoções que transcende o mero deleite visual.

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 23:15 link do post
20 de Janeiro de 2009

 

Pelléas et Mélisande - Claude Debussy/Pierre Boulez/Peter Stein/Alison Hagley/Neill Archer/Donald Maxwell (1992)

 

 

 

Depois de umas pequenas e bem gozadas férias, eis-me de regresso aos discos que nunca mais vou esquecer (a não ser que o mundo dê uma grande volta).

E pela primeira vez vou escolher uma ópera que, se não estou enganado, muito poucos se lembrariam de referir como a sua peça preferida. Com certeza que a maioria das escolhas iria recair sobre alguma das obras de Mozart, de Wagner ou de Verdi; pelo menos destes.

Todos eles são autores de obras geniais e, cada um com o seu estilo, fizeram avançar um pouco mais os limites até então estabelecidos para este género musical e dramático. Mas, confesso que em todas essas obras admiráveis não consigo encontrar uma que tenha aparecido, literalmente, do nada como se de um cometa se tratasse. Falo de Pelléas et Mélisande, a obra-prima do francês Claude Debussy que permanece uma ópera única e profundamente original tal como o era na altura em que viu a luz do dia. Não veio agarrada à tradição nem teve quaisquer seguidores, mas continua a fascinar imenso pela sua estranha e melancólica beleza e, graças à sua singularidade, por ter dito o que tinha para dizer de forma definitiva.

Pelléas et Mélisande é a adaptação da peça simbolista de Maeterlinck e conta-nos a história de um amor proibido: Mélisande apaixona-se por Pelléas, mas está noiva do seu irmão Golaud.

 

 

 

Tudo, mas mesmo tudo, é magnífico nesta assombrosa ópera de Debussy. Desde o modo paradigmático como o autor consegue escapar a qualquer espécie de sentimentalismo inócuo ao expressar-se de forma precisa e realista, como podemos comprovar nessa fabulosa cena que abre o terceiro acto e onde se desenrola uma apaixonada história de amor. Nela, Debussy recusa-se a utilizar qualquer palavra que fale de amor, apenas lhe basta para nos encantar a sua subtil sensibilidade orquestral.

Muito haveria para dizer sobre esta obra – como esquecer, por exemplo, os longos cabelos de Mélisande? -, mas fico-me pela plasticidade das vozes recitadas que combinam na perfeição com o contínuo fundo orquestral feito da mais pura seda, ou, ainda, pela invulgar ligação entre as cenas, concretizada por belíssimos interlúdios musicais que dão continuidade ao drama misterioso que se vai desenvolvendo.

Peter Stein encena o drama musical de forma cinematográfica, abrindo mão de uma série bastante diversificada de enquadramentos que combinam, de forma exemplar, com o espaço físico e musical. Quanto a Pierre Boulez, chega dizer que, uma vez mais, oferece aos seus ouvintes uma leitura magistralmente detalhada e marcadamente pessoal da genial partitura musical de Claude Debussy, dando um passo mais rumo à consolidação do conceito do  intérprete-compositor.

Para ver, rever e divulgar. Nunca é demais.

 

Acto I, Cena III 

publicado por adignidadedadiferenca às 20:46 link do post
25 de Maio de 2008

E por falar em Bruckner como esquecer esse filme-ópera por excelência, onde a sua sétima sinfonia assume um papel preponderante na construção dramática da história e na moldura da narrativa? Falo, obviamente de Senso, obra-prima absoluta do romantismo (e não só), da autoria de Luchino Visconti.

 

Se todo o filme é prodigioso e inesquecível - Alida Valli nunca foi tão sublime como aqui -, é, contudo, a partir da cena em que o tenente Mahler (Farley Granger) se oferece para acompanhar  a condessa Serpieri (Alida Valli) pelas ruas de Veneza e se começa a ouvir a música de Bruckner, que eu me apaixono verdadeiramente por esta obra .

 

E, para finalizar, deixo-vos um pouco deste cinema em absoluto estado de graça.

 

publicado por adignidadedadiferenca às 01:57 link do post
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